5 sinais de que seu cachorro está com febre
A Febre como Resposta de Defesa: Decifrando os 5 Sinais de que Seu Cachorro Está “Aquecido Demais”
Prezado aluno, sente-se. Hoje, na nossa aula de Clínica Médica, vamos abordar um tema que parece simples, mas que é o calcanhar de Aquiles de muitos tutores e, confesso, um desafio diagnóstico e terapêutico na rotina: a febre canina.
Você já deve ter ouvido dezenas de mitos e meias-verdades sobre o cachorro estar com o “nariz seco” e, por isso, estar doente. Como futuros ou atuais profissionais que lidam com a vida animal, precisamos ir além do senso comum. A febre não é uma doença, é um sinal clínico robusto. Ela é a ponta do iceberg, a bandeira vermelha que o organismo do paciente levanta quando está travando uma batalha interna. É o sistema imunológico dizendo: “Temos um problema sério aqui, vamos aumentar a temperatura para desativar o invasor”.
Se você consegue identificar rapidamente esse aumento de temperatura, você ganha tempo precioso. E tempo, na medicina veterinária, é prognóstico. Vou te guiar pelos cinco sinais cardinais de que o seu paciente ou o seu cão particular está “aquecido demais”, mas antes, precisamos entender o que é o calor em si.
O Termômetro Clínico: Entendendo a Fisiologia da Temperatura Canina
Em nossa jornada clínica, você precisa desenvolver um olhar quase termodinâmico para o paciente. Entender a febre requer um conhecimento sólido sobre como o corpo canino gerencia sua própria temperatura, um processo conhecido como termorregulação. A febre, ou pirexia, é o aumento da temperatura corporal, mas o ponto fundamental é que esse aumento é controlado e programado pelo cérebro em resposta a substâncias inflamatórias, as famosas citocinas.
O Limiar de Alerta: Qual é a Temperatura Corporal Normal do Cão?
Você não pode dizer que o paciente está febril sem saber o seu valor de referência. Lembre-se, o cão não é um ser humano. Enquanto nossa temperatura média é de $\text{37}^{\circ}\text{C}$, o limiar fisiológico normal do cão adulto varia entre $\text{37,8}^{\circ}\text{C}$ e $\text{39,2}^{\circ}\text{C}$. Qualquer valor persistente acima de $\text{39,5}^{\circ}\text{C}$ já acende o nosso alerta máximo. É como se a “temperatura de cruzeiro” deles fosse mais alta. Por que essa diferença? Metabolismo. Os cães geralmente têm uma taxa metabólica de repouso mais elevada, e isso se reflete em uma temperatura corporal basal superior à nossa. É vital que você se acostume com esses números para evitar pânico desnecessário (se o cão estiver em $\text{39,0}^{\circ}\text{C}$) ou negligência grave (se estiver em $\text{40,5}^{\circ}\text{C}$).
A Hipertermia vs. a Febre: O Conceito de Termorregulação Desafiada
Aqui está um ponto onde muitos estudantes e até mesmo profissionais de outras áreas tropeçam: a diferença entre febre (pirexia) e hipertermia. A febre é um aumento regulado da temperatura, ou seja, o ponto de ajuste (o set point) no termostato cerebral (o hipotálamo) é elevado devido à presença de pirógenos. O organismo está ativamente tentando atingir aquela temperatura mais alta para lutar contra o agente agressor. Já a hipertermia é um aumento não regulado da temperatura. O set point está normal, mas o corpo está superaquecendo devido a fatores externos (excesso de exercício, ambiente muito quente, confinamento em carro) ou incapacidade de dissipar calor (exemplo clássico: cães braquicefálicos). A hipertermia é muito mais perigosa e pode levar à morte celular e falência de órgãos rapidamente se não for resolvida. Você, como clínico, deve saber diferenciar as duas, pois a abordagem terapêutica muda drasticamente.
A Cadeia de Comando: Como o Hipotálamo Atua na Resposta Febril
Para entender a febre, precisamos falar do hipotálamo, o “cérebro” do controle térmico. Quando um agente infeccioso (uma bactéria, por exemplo) entra no corpo do nosso paciente, ele desencadeia uma resposta inflamatória. Células de defesa liberam substâncias químicas, os chamados pirógenos endógenos, como as interleucinas e o TNF-$\alpha$. Essas substâncias viajam pela corrente sanguínea e chegam ao hipotálamo. Lá, elas estimulam a produção de prostaglandina E2 ($\text{PGE}_2$), que é o verdadeiro responsável por “recalibrar” o termostato para cima. O corpo, então, inicia mecanismos para reter e gerar calor (vasoconstrição periférica, tremores), fazendo a temperatura subir até o novo set point mais alto. Entender essa cadeia bioquímica é o que te diferencia de um leigo; é o que te permite entender por que anti-inflamatórios (que inibem a $\text{PGE}_2$) são eficazes para baixar a febre.
Sinal 1: A Queda do Paciente – Letargia e Comportamento Recuso
Este é, talvez, o sinal mais perceptível para o tutor, mas o menos específico. A letargia — aquela indisposição, moleza ou desânimo acentuado — é o corpo do paciente redirecionando a energia. Pense no organismo como um quartel general de crise: todos os recursos energéticos que seriam gastos em correr, brincar ou interagir estão sendo canalizados para a linha de frente do combate imunológico. É um mecanismo de economia de energia.
A Mudança de Rotina: Quando o Brinquedo Preferido é Ignorado
Você conhece seu paciente. Sabe que aquele Golden Retriever deveria estar pulando no portão às 17h ou que o Poodle deveria estar pedindo para sair. Um dos primeiros indícios de que o cão não está bem, e que pode estar febril, é uma recusa abrupta em participar de atividades que ele normalmente adora. Ele ignora a guia, não demonstra euforia ao ver a ração ou, classicamente, deixa de lado aquele brinquedo que é o xodó dele. Essa falta de resposta aos estímulos é um reflexo direto do mal-estar sistêmico. O corpo simplesmente não tem a disposição neuropsicológica e física para a diversão, pois o foco está na homeostase.
A Postura “Doente”: Corpo Encolhido e Procura por Isolamento
Observe a linguagem corporal. Um cão febril, muitas vezes, adota uma postura de encolhimento, de proteção. Ele pode procurar um local mais reservado, escuro ou até mesmo frio, apesar de sentir calafrios no início da febre. O isolamento é uma estratégia etológica de sobrevivência, onde o animal doente se afasta do grupo para evitar atrair predadores ou para descansar sem ser incomodado. Na clínica, essa postura curvada, com a cabeça baixa e a ausência de movimento de cauda (o famoso rabo entre as pernas), são sinais não verbais importantíssimos que você deve anotar no histórico.
O Elo de Conexão: A Relação entre a Dor e a Quietude
É crucial entender que a letargia pode não ser apenas fadiga. A febre frequentemente acompanha processos inflamatórios dolorosos, como infecções articulares, abdominais ou até mesmo uma dor de cabeça intensa. Os agentes inflamatórios que causam a febre também sensibilizam os receptores de dor. Logo, a quietude pode ser uma forma de automedicação, onde o cão evita o movimento para não exacerbar a dor já presente. Um animal que mal se levanta do chão pode estar febril e sentindo dores significativas, e você precisa investigar isso com calma, palpando e examinando-o de maneira suave, mas completa.
Sinal 2: O Desinteresse Pela Ração – Anorexia e Vômitos Secundários
A anorexia (perda de apetite) é quase uma constante na febre canina. Quando o paciente recusa a alimentação, é um sinal de que algo está errado no eixo digestivo ou sistêmico. A fisiologia da febre suprime o apetite por meio de mecanismos centrais e periféricos, e é um sinal que o tutor consegue identificar imediatamente.
A Repulsa ao Estímulo Olfativo: O Nariz e a Perda de Apetite
O apetite do cão é primariamente guiado pelo olfato. Se a inflamação que está causando a febre for também afetando as vias aéreas superiores, com congestão ou secreção, a capacidade olfativa do paciente pode ser reduzida. Além disso, o próprio estado febril e a liberação de citocinas inflamatórias têm um efeito direto no centro da fome no hipotálamo, diminuindo a motivação para comer. Você verá o cão se aproximar do pote, dar um cheiro e se afastar. Isso é diferente de uma disfagia (dificuldade de engolir), onde ele quer comer, mas não consegue. Na febre, o paciente não quer comer.
O Desbalanço Energético: Por Que o Corpo Prioriza a Luta à Digestão
A digestão é um processo energeticamente caro. Quando o corpo está em um estado febril, a prioridade máxima é a defesa, a termogênese (produção de calor) e a mobilização de células imunológicas. O sistema nervoso autônomo e o sistema endócrino redirecionam o fluxo sanguíneo e os recursos metabólicos para os sistemas vitais. A digestão, que exige um grande gasto energético e fluxo sanguíneo para o trato gastrointestinal, é momentaneamente despriorizada. É uma forma inteligente de o corpo dizer: “Suspender todas as operações não essenciais! Estamos em combate!” Isso explica por que, além de não querer comer, o paciente pode apresentar um trato gastrointestinal mais lento, levando, em alguns casos, a um vômito secundário de bile ou de um resto alimentar estagnado.
O Perigo da Desidratação: Quando a Febre Piora a Falta de Ingestão
Aqui está o círculo vicioso que você precisa quebrar: a febre em si causa perdas hídricas aumentadas através da respiração (panteio) e do suor nas patas. Se o paciente não come, ele também não ingere a água presente no alimento e, muitas vezes, recusa beber água pura devido ao mal-estar. A desidratação se instala rapidamente. O aumento da febre leva a mais perda de água; a perda de água leva a uma concentração do sangue e, potencialmente, a danos renais e circulatórios. Um paciente febril e anoréxico é um candidato de risco para a terapia de fluidos (soro) imediata. Você deve instruir o tutor a oferecer água e caldos (se o veterinário autorizar) ativamente, mesmo que em pequenas quantidades.
Sinal 3: A Expressão Ocular – Olhos Vermelhos, Vitrificados e Secreção
O olhar é a janela da alma, e na clínica, é a janela para o estado circulatório do paciente. Um cão febril apresenta alterações nos olhos que, para o tutor, parecem simplesmente “tristes”, mas que para você são pistas importantes do processo inflamatório em curso.
A Vasodilatação Conjuntival: A Medicina por Trás do Olho Vermelho
A febre é um estado de vasodilatação sistêmica (dilatação dos vasos sanguíneos) como parte da resposta inflamatória para aumentar a circulação de células de defesa e calor. Essa vasodilatação é visível nas mucosas, e a conjuntiva (a parte interna da pálpebra e ao redor do globo ocular) é um dos primeiros locais a ficar hiperêmica (vermelha). Você notará um rubor acentuado. Se você pressionar levemente a conjuntiva, o local ficará branco e deve voltar ao vermelho rapidamente (tempo de preenchimento capilar), mas o vermelho de base será mais intenso do que o normal. Esse é um sinal direto de uma inflamação sistêmica em andamento.
A Secura Ocular: O Impacto da Febre na Produção Lacrimal
A febre e a desidratação (que sempre acompanha a febre) afetam a hidratação de todas as mucosas. Os olhos não são exceção. A produção de lágrimas pode ser diminuída, e o paciente pode apresentar um olhar “vitrificado” ou “vítreo” — aquele aspecto de olho seco e brilhante. Em casos de febre alta prolongada, essa secura pode, inclusive, aumentar o risco de lesões na córnea.
A Fotofobia Transitória: O Desconforto em Ambientes Claros
O paciente febril pode apresentar uma leve fotofobia (sensibilidade à luz). Isso pode ser causado por um desconforto generalizado, ou pela própria inflamação sistêmica. Você pode notar que o cão pisca mais em ambientes muito iluminados ou tenta se afastar deles. É um sinal sutil, mas que, somado à letargia e ao olho vermelho, reforça a nossa suspeita diagnóstica de um estado febril ou doloroso.
Sinal 4: Alterações na Frequência Respiratória – Tremores e Taquipneia
Como os cães não suam pelo corpo como nós, eles dependem da respiração (panteio) para dissipar o excesso de calor. Portanto, um aumento na temperatura corporal tem um impacto direto e imediato na forma como eles respiram.
O Controle da Temperatura Via Respiração: O Mecanismo do Panteio
O panteio (a respiração ofegante) é o mecanismo de resfriamento evaporativo do cão. Quando a temperatura interna sobe, o centro termorregulador envia sinais para aumentar a frequência respiratória, acelerando a evaporação da umidade das superfícies úmidas (língua, mucosas orais) para liberar calor. Um cão febril pode apresentar taquipneia (aumento da frequência respiratória) sem, necessariamente, ter tido esforço físico. Se você observar o paciente respirando muito rapidamente, com a boca aberta e a língua para fora, mesmo estando em repouso, você deve medir a temperatura imediatamente.
O Tremor: Confusão entre Frio e Resposta Inflamatória Sistêmica
No estágio inicial da febre, quando o hipotálamo eleva o set point, o corpo inicia mecanismos para gerar calor e atingir o novo nível. Um desses mecanismos é o tremor (calafrio). O músculo treme para produzir calor metabolicamente. O tutor, muitas vezes, confunde o tremor com “o cão está com frio”. Na verdade, o cão está com uma sensação interna de frio (porque a temperatura ambiente é menor do que o novo set point do seu corpo) e está ativamente tentando se aquecer. É um sinal clássico da fase de ascensão da febre. Não confunda isso com tremores por dor, ansiedade ou intoxicação; no contexto de outros sinais, é uma pista febril.
A Palidez das Mucosas: Quando o Sistema Circulatório Pede Ajuda
Em casos de febre alta e desidratação grave, ou se a febre for causada por uma infecção grave (como uma septicemia), você pode notar uma palidez das mucosas (gengivas). Isso indica uma má perfusão ou, em casos mais graves, anemia ou choque. Enquanto a vasodilatação faz a mucosa ficar vermelha, a má perfusão periférica ou o direcionamento de sangue para órgãos vitais faz com que as mucosas externas fiquem pálidas. Se o tempo de preenchimento capilar (TPC) estiver lento (acima de 2 segundos), você está lidando com uma emergência grave que precisa de estabilização imediata.
Sinal 5: O Focinho e as Extremidades – Nariz Quente, Seco e Orelhas Abrasadoras
O sinal mais popular, mas também o mais impreciso, é o estado do nariz. No entanto, o toque em certas regiões do corpo pode fornecer uma indicação tátil de que a temperatura interna está elevada.
O Mito do Nariz Úmido: Desmistificando a Avaliação Superficial
Vamos ser francos, professor para aluno: o estado do nariz é um indicador clínico de valor limitado. Um nariz seco pode ser causado por o cão ter acabado de acordar, por desidratação leve, ou por ele ter acabado de lamber o focinho e secar. Um nariz frio e úmido não garante que o cão não esteja febril. No entanto, um nariz que está visivelmente quente e seco ao toque, somado a todos os outros sinais que discutimos, é um forte indício de que o paciente está com calor interno. Não use o nariz como seu único diagnóstico; use-o como a cereja do bolo dos outros quatro sinais.
A Vasodilatação Periférica: Por Que as Extremidades Aquecem
No pico da febre, e na fase de dissipação de calor, o corpo tenta ativamente perder calor através da superfície. Isso é feito pela vasodilatação periférica. Você pode sentir que as extremidades do paciente — principalmente as orelhas e as patas (almofadas) — estão abrasadoras ao toque. Elas estão quentes porque os vasos sanguíneos próximos à pele se dilatam para trazer o sangue quente do núcleo para a periferia, onde o calor pode ser irradiado para o ambiente. É um bom local de checagem.
A Avaliação Tátil: O Pulmão e as Axilas como Pontos de Checagem
Como clínico, você deve desenvolver o hábito de tocar. Sinta as axilas e a região inguinal (virilha) do paciente. Essas áreas, que são relativamente sem pelo e onde grandes vasos sanguíneos passam perto da superfície, podem estar sensivelmente mais quentes que o resto do corpo, fornecendo uma pista tátil antes mesmo de você pegar o termômetro. O aumento do calor nessas regiões é a indicação mais palpável de uma temperatura central elevada, e é um método rápido de triagem que você pode ensinar ao tutor.
A Nossa Intervenção Clínica: Como Agir Imediatamente (Seu Adicional 1)
Você identificou os sinais. O tutor ligou em pânico. O que você, ou o tutor sob sua orientação, deve fazer imediatamente? Nunca use medicamentos humanos (como Paracetamol) sem orientação direta! Isso pode ser fatal. A primeira linha de defesa é sempre a estabilização e a correta medição.
A Arte de Aferir: Medindo a Temperatura Retal com Precisão
Não há como fugir: o método mais preciso e confiável para medir a temperatura de um cão é o retal. Você deve usar um termômetro digital, lubrificado (com vaselina ou gel lubrificante) e inseri-lo cerca de 2 a 3 centímetros. O procedimento é rápido e seguro, embora desagradável para o paciente. É fundamental que você instrua o tutor a fazer isso com calma e sempre segurando o termômetro. Se o valor estiver consistentemente acima de $\text{39,5}^{\circ}\text{C}$, o diagnóstico de febre está confirmado e você tem um problema em mãos. É o dado objetivo que valida todos os sinais subjetivos.
O Resfriamento Estratégico: Aplicação de Gelo e Toalhas Úmidas
Se a febre estiver perigosamente alta (acima de $\text{40,5}^{\circ}\text{C}$), a prioridade é o resfriamento físico imediato para evitar danos cerebrais. Você deve instruir o uso de toalhas úmidas e frias (não geladas!) aplicadas nas áreas de maior circulação, como a região inguinal (virilha), axilas e pescoço. O objetivo é promover a troca de calor por condução e resfriar o sangue que passa nessas áreas. Atenção: Se o tremor (calafrio) aumentar com o resfriamento, você deve parar, pois o tremor irá gerar ainda mais calor. O resfriamento é uma medida de emergência, e a administração de antitérmicos (sob prescrição) será necessária para “reprogramar” o termostato.
A Estabilização e o Encaminhamento: Preparando o Paciente para o Hospital
Você não trata a febre; você trata a causa da febre. Após a aferição e, se necessário, o resfriamento, o paciente precisa de uma avaliação clínica completa. A sua função é estabilizá-lo minimamente (garantir que ele não fique mais desidratado, por exemplo, oferecendo água) e encaminhá-lo para a clínica ou hospital. Você deve informar ao tutor que o tratamento veterinário envolverá a administração de fluidos (soro) e, só após a avaliação completa e a coleta de amostras, o uso de medicamentos (antitérmicos e, se necessário, antibióticos ou outros). Nunca negligencie a febre; ela pode ser o prenúncio de uma sepse.
O Diagnóstico Diferencial: Febre Não é Doença, é Sinal (Seu Adicional 2)
Agora entramos na parte mais desafiadora da clínica: a investigação. A febre é o sintoma. O nosso trabalho é descobrir o que está por trás do aumento da $\text{PGE}_2$ no hipotálamo. O diagnóstico diferencial da febre em cães é vasto, mas podemos dividi-lo em categorias principais.
A Causa Infecciosa: Onde Bactérias e Vírus Lideram a Casuística
A grande maioria dos casos de febre é de origem infecciosa. Estamos falando de infecções bacterianas (como piometra em fêmeas não castradas, infecções do trato urinário, abscessos, pneumonia, ou até mesmo a temida leptospirose), infecções virais (como parvovirose ou cinomose) ou infecções fúngicas e protozoárias (como a erliquiose, transmitida pelo carrapato, que é endêmica em muitas regiões). A localização da infecção e o agente causal guiarão seu tratamento, que pode exigir antibióticos, antivirais ou antiparasitários específicos. O histórico de contato (se o cão viajou, se teve contato com carrapatos, se está vacinado) é crucial.
As Causas Não Infecciosas: Intoxicações, Reações Pós-Vacinais e Neoplasias
Nem toda febre vem de um agente biológico. A febre pode ser causada por inflamação estéril. A reação pós-vacinal, por exemplo, é uma febre transitória e de baixa intensidade que ocorre nas primeiras 24-48 horas após a vacinação. Intoxicações (como o envenenamento por produtos químicos ou a ingestão de certos alimentos) também podem desencadear uma resposta inflamatória sistêmica com febre. E não podemos esquecer as Neoplasias (cânceres). Alguns tumores, especialmente aqueles que sofrem necrose ou que secretam substâncias inflamatórias, podem causar febre persistente e de origem obscura, o famoso FUO (Fever of Unknown Origin).
O Rastreamento (Workup) Laboratorial: Os Exames Essenciais para o Febril
Para diagnosticar a causa da febre, você precisa de dados objetivos. Seu workup laboratorial inicial deve incluir, no mínimo, um hemograma completo (para ver a contagem de células brancas e vermelhas e procurar sinais de infecção ou inflamação), um painel bioquímico (para avaliar função renal, hepática e eletrólitos, especialmente em um paciente desidratado) e um exame de urina (para procurar infecção urinária). Dependendo do histórico e do exame físico, você pode expandir para radiografias torácicas ou abdominais, ultrassonografia, e testes específicos para doenças infecciosas, como PCR ou sorologias para erliquiose ou cinomose. O diagnóstico é um quebra-cabeça, e a febre é a primeira peça.
Quadro Comparativo: Temperatura e Sinais Clínicos
Para fechar nossa aula, vamos comparar o estado febril do nosso paciente com duas outras condições que podem confundir o diagnóstico, mas que você, como clínico, deve saber diferenciar rapidamente.
| Característica | Febre (Pirexia) | Hipertermia (Exógena) | Hipoglicemia/Choque |
| Temperatura Central | Elevada ($\ge \text{39,5}^{\circ}\text{C}$), Regulada. | Elevada ($\ge \text{40,0}^{\circ}\text{C}$), Não Regulada. | Normal ou Subnormal ($\le \text{37,5}^{\circ}\text{C}$). |
| Ponto de Ajuste | Aumentado pelo Hipotálamo (via $\text{PGE}_2$). | Normal. O corpo não consegue dissipar calor. | Normal. Falência circulatória e metabólica. |
| Letargia/Apatia | Sim, devido ao mal-estar sistêmico. | Sim, pode progredir para convulsões e coma. | Sim, progredindo para fraqueza e colapso. |
| Mucosas (Gengivas) | Hiperêmicas (vermelhas), depois pálidas em casos graves. | Vermelhas-escuras (congestas). | Pálidas ou acinzentadas (má perfusão). |
| Tratamento de Escolha | Antitérmicos (Anti-inflamatórios) e tratamento da causa. | Resfriamento Externo Imediato e Fluidoterapia. | Fluidoterapia, Glicose e Suporte Circulatório. |
Espero que você tenha absorvido essa lição, aluno. Lembre-se: a febre em cães é um sinal de luta interna. Sua missão é interpretá-lo corretamente, agir com calma e precisão, e buscar a causa subjacente com a diligência que a vida do nosso paciente merece.
Você gostaria que eu transformasse alguma dessas $\text{H}3$ em um novo artigo focado, como o “Rastreamento Laboratorial Essencial para o Paciente Febril”?




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