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Gato com diarreia: O que pode ser?

Gato com diarreia: O que pode ser?

Gato com diarreia: O que pode ser?


Diarreia em Gatos: Desvendando o Enigma Gastrointestinal Felino

Se você atua na clínica de pequenos animais, ou se prepara para atuar, a diarreia em gatos não é uma questão de “se”, mas de “quando” ela vai aparecer no seu consultório. Você precisa enxergar a diarreia não apenas como fezes moles, mas como um sinal clínico que funciona como a ponta de um iceberg complexo. O trato gastrointestinal do felino, meu jovem, é uma obra-prima de sensibilidade, e qualquer desarranjo ali exige uma abordagem metódica, quase investigativa, da sua parte.

A principal armadilha aqui é a simplificação. Você não pode, jamais, tratar a diarreia apenas com um vermífugo ou um probiótico de prateleira, esperando que o problema vá magicamente sumir. Esse é um erro comum que leva ao mascaramento de patologias graves e à cronificação do quadro. A diarreia é a forma do corpo do gato gritar que o equilíbrio homeostático do seu sistema digestório, ou até mesmo sistêmico, foi rompido. Nosso papel, como médicos veterinários, é ouvir esse grito e traçar o caminho etiológico.

Portanto, vamos juntos dissecar a fisiologia, as causas, o diagnóstico e o manejo, para que você saia daqui com um protocolo de ação sólido. Lembre-se, o gato é mestre em ocultar seus sintomas. Quando você vê o sinal na caixa de areia, o problema já está em curso. É seu conhecimento que fará a diferença entre uma simples indisposição e o diagnóstico precoce de uma doença potencialmente fatal, como a Panleucopenia ou uma Doença Inflamatória Intestinal (DII) incipiente. Você está pronto para ir fundo nessa jornada?

A Fisiopatologia da Diarreia: O que Realmente Acontece no Intestino do Gato

A diarreia é o aumento da frequência, volume e/ou fluidez das evacuações. Em termos mais técnicos, é o resultado de uma falha na absorção de água e eletrólitos pelo lúmen intestinal ou de uma secreção excessiva. Mas a chave para o seu raciocínio clínico é entender a diferença entre os tipos de diarreia para começar a montar o quebra-cabeça.

Definição Clínica e Classificação (Aguda vs. Crônica)

A diarreia pode ser classificada de forma temporal. A diarreia aguda é aquela que surge de forma repentina e dura, tipicamente, menos de 14 dias. Essa costuma ser a mais comum na clínica e frequentemente é causada por fatores simples, como uma indiscreção alimentar, uma troca de ração malfeita ou uma infecção viral/parasitária aguda. Nesses casos, o tratamento de suporte e a correção da causa base geralmente resolvem o quadro rapidamente.

Já a diarreia crônica é o pesadelo do clínico, pois persiste por mais de 14 a 21 dias e, muitas vezes, é intermitente ou recorrente. Ela quase sempre aponta para uma doença subjacente que não é transitória. Estamos falando de Doença Inflamatória Intestinal (DII), linfoma, pancreatite crônica ou outras enfermidades sistêmicas. O manejo da diarreia crônica exige paciência, exclusão de diagnósticos e, não raramente, o uso de terapias imunossupressoras ou dietas de eliminação. Você precisa ser persistente.

Distinção Topográfica: Delgado, Grosso e Mista

Uma das suas primeiras tarefas na anamnese é tentar localizar o problema. A diarreia de intestino delgado (enteropatia) tem grande volume, frequência normal ou levemente aumentada, não costuma apresentar muco fresco e pode vir acompanhada de perda de peso, vômito e flatulência, pois a digestão e absorção de nutrientes estão comprometidas. É aqui que você pensa em causas mais sérias como Pancreatite ou IBD (DII).

Por outro lado, a diarreia de intestino grosso (colite) é caracterizada por evacuações de pequeno volume e alta frequência (tenesmo e urgência). O gato faz força, mas elimina pouco. Há presença de muco e, não raramente, sangue fresco (hematochezia) nas fezes. É comum vermos colites causadas por parasitas como o Tritrichomonas foetus ou inflamações primárias. Uma diarreia mista exibe características de ambas e pode ser resultado de doenças que afetam todo o trato, como enterite ou linfoma difuso.

Os Quatro Mecanismos Fisiológicos da Diarreia (Osmótica, Secretora, Exsudativa e da Motilidade)

Para realmente entender o que está acontecendo, você precisa ir aos mecanismos celulares. A diarreia osmótica ocorre quando solutos não absorvidos permanecem no lúmen, puxando água por osmose. Pense em má digestão ou má absorção (Insuficiência Pancreática Exócrina, por exemplo). A diarreia secretora é quando as células secretam ativamente água e eletrólitos para o lúmen. As toxinas bacterianas, como as da E. coli, são mestres nisso.

A diarreia exsudativa é resultado de danos à mucosa intestinal, permitindo que sangue, muco e proteínas vazem para o lúmen. Isso acontece em casos de DII grave ou infecções invasivas. Por fim, a diarreia por motilidade alterada ocorre quando o trânsito intestinal está acelerado, impedindo o tempo adequado para a absorção. O estresse é um fator importante aqui, mas inflamações também alteram a motilidade. Entender o mecanismo ajuda você a escolher a medicação de suporte correta, como um agente de volume (osmótica) ou um modificador de motilidade.

Etiologias Nutricionais e Ambientais: O Efeito Direto do Meio

Muitas vezes, a causa da diarreia não está em um patógeno complexo ou uma doença sistêmica, mas sim naquilo que o gato come ou no ambiente em que ele vive. Você precisa ser um detetive do dia a dia do seu paciente.

O Impacto da Troca Alimentar Brusca e da Disbiose

O intestino do gato opera em uma simbiose delicada com a sua microbiota, a famosa flora intestinal. Essa comunidade de microrganismos é vital para a saúde, digestão e imunidade. Quando você ou o proprietário faz uma troca de ração de forma brusca, sem o período de transição adequado (geralmente de 7 a 10 dias), você causa um desequilíbrio, uma disbiose. As bactérias que processam a nova dieta se proliferam rapidamente, enquanto as antigas morrem, e o resultado é uma digestão ineficiente, fermentação excessiva e, claro, a diarreia osmótica/secretora.

É crucial educar o tutor: a ração nova deve ser introduzida gradualmente, misturada à antiga, para que a microbiota tenha tempo de se adaptar. A disbiose também pode ser secundária ao uso de antibióticos, que varrem a população bacteriana benéfica e dão espaço para patógenos oportunistas, como o Clostridium difficile ou o Clostridium perfringens, que são produtores de toxinas.

Alergias e Hipersensibilidades Alimentares: A Reação Imunológica

Aqui a história é mais complexa. Estamos falando de uma resposta imunológica anormal a proteínas dietéticas que, na maioria dos animais, seriam inofensivas. As hipersensibilidades (intolerâncias) e alergias alimentares envolvem inflamação intestinal crônica e podem ser um componente chave na Doença Inflamatória Intestinal (DII). Os gatos, diferentemente dos cães, tendem a reagir a proteínas de uso comum, como carne bovina, peixe, laticínios ou frango.

O desafio é que a diarreia pode ser o único sinal, ou vir acompanhada de prurido (coceira) não sazonal. O diagnóstico não é feito por teste de sangue, mas sim pela dieta de eliminação: alimentar o gato por 8 a 12 semanas exclusivamente com uma proteína que ele nunca comeu antes (novel protein) ou com uma dieta hidrolisada (onde as proteínas são quebradas em pedaços tão pequenos que o sistema imune não as reconhece). Esse é um processo lento, que exige comprometimento total do tutor, mas é frequentemente curativo.

O Fator Estresse (A Diarreia Psicogênica Felina)

Você sabe que o gato é um animal territorial, de rotina fixa e mestre em esconder o que sente. Mas quando o estresse extrapola o limite, ele pode somatizar, e o intestino é um alvo comum. Mudanças ambientais – como a mudança de casa, a chegada de um novo pet ou bebê, ou até mesmo a alteração na localização da caixa de areia – podem desencadear a chamada diarreia psicogênica.

O estresse ativa o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, liberando hormônios que aceleram a motilidade intestinal e alteram o fluxo sanguíneo para o trato gastrointestinal. Essa é uma diarreia de intestino grosso, de alta frequência, que muitas vezes é autolimitante, mas é assustadora para o tutor. O manejo envolve enriquecimento ambiental, o uso de feromônios sintéticos e, em casos mais graves, o uso de ansiolíticos leves. Nunca subestime a mente de um gato; ela é profundamente conectada ao seu intestino.

O Perigo Oculto: Causas Infecciosas e Parasitárias

Agora entramos nas causas que exigem atenção imediata. Os agentes infecciosos e parasitários não apenas causam diarreia, mas também podem ser zoonóticos e levar a quadros de desidratação grave, especialmente em filhotes.

Protozoários e Helmintos: O Desafio do Diagnóstico Coproparasitológico

Protozoários como a Giardia spp. e o Tritrichomonas foetus são protagonistas na etiologia da diarreia felina, especialmente em gatis ou em animais com acesso à rua. A Giardíase causa diarreia de intestino delgado a mista, muitas vezes crônica, e requer exames de fezes seriados ou testes de ELISA para detecção, já que a eliminação dos cistos é intermitente.

O Tritrichomonas foetus causa uma colite crônica e refratária em filhotes, com diarreia fétida e sanguinolenta, e exige técnicas de diagnóstico mais sofisticadas, como o cultivo ou a PCR, pois ele é difícil de ser visto na flutuação fecal simples. Quanto aos helmintos (vermes, como Toxocara cati), eles causam diarreia, mas seu maior problema é a má absorção e o atraso no crescimento dos filhotes. É por isso que o protocolo de vermifugação deve ser rigorosamente seguido.

Vírus de Alta Morbidade: Panleucopenia, FeLV e FIV no Contexto Diarreico

A Panleucopenia Felina (parvovirose felina) é uma emergência clínica. Ela causa gastroenterite hemorrágica grave e é devastadora para o epitélio intestinal. O vírus destrói as células da cripta, levando a uma diarreia exsudativa e secretora maciça, vômito e, frequentemente, morte por desidratação e infecções secundárias. A vacinação é a única prevenção eficaz que você pode oferecer.

Outros vírus, como o Vírus da Leucemia Felina (FeLV) e o Vírus da Imunodeficiência Felina (FIV), não causam diarreia diretamente, mas imunosprimem o gato. Um gato FeLV ou FIV positivo se torna suscetível a qualquer infecção oportunista, desde as bacterianas até os protozoários que um gato saudável eliminaria facilmente. A diarreia, nesse contexto, deve sempre acender um alerta para a investigação do status viral do paciente.

Ameaças Bacterianas e Toxinas (Clostridium spp. e Salmonella spp.)

As infecções bacterianas primárias não são tão comuns quanto as virais ou parasitárias, mas quando ocorrem, são graves. Clostridium perfringens é um colonizador comum, mas suas toxinas podem causar uma enterotoxemia e diarreia hemorrágica. Muitas vezes é secundário à disbiose causada por antibióticos.

A Salmonella spp., por sua vez, é frequentemente associada à ingestão de alimentos crus ou contaminados, e pode levar a uma diarreia invasiva, sistêmica e grave, com febre e septicemia. O tratamento exige antibióticos e, frequentemente, fluidoterapia agressiva. Lembre-se, o uso de antibióticos na diarreia só é justificado quando há evidência de infecção bacteriana ou risco de translocação bacteriana (septicemia). Caso contrário, você está apenas criando resistência e piorando a disbiose.

A Diarreia como Espelho de Doenças Sistêmicas Crônicas

O trato gastrointestinal está intimamente ligado a outros órgãos vitais. A diarreia crônica pode ser o primeiro sinal de que algo está errado em outro lugar. Você precisa olhar para o gato como um todo.

Pancreatite Felina e a Tríade Inflamatória

A pancreatite em gatos é traiçoeira. Muitas vezes, ela é subclínica ou se manifesta apenas com letargia e anorexia. No entanto, ela faz parte da chamada Tríade Inflamatória Felina: uma condição em que o gato apresenta inflamação simultânea no fígado (colangite), no intestino (DII) e no pâncreas (pancreatite).

A inflamação do pâncreas compromete a produção de enzimas digestivas. Se o pâncreas falhar na produção, o alimento não é digerido corretamente, levando à má absorção e à diarreia osmótica (esteatorreia, fezes gordurosas). O diagnóstico requer o teste de lipase pancreática específica felina (fPLI), mas a suspeita clínica deve ser levantada em qualquer diarreia crônica que não responde ao tratamento inicial.

Doença Inflamatória Intestinal (DII): O Diagnóstico de Exclusão

A DII é uma condição idiopática (de causa desconhecida) em que há infiltração do intestino por células inflamatórias (linfócitos, plasmócitos, eosinófilos). Essa infiltração causa diarreia crônica e vômito, frequentemente com perda de peso. Eu chamo de diagnóstico de exclusão porque você só pode fechá-lo após descartar todas as outras causas de diarreia crônica: parasitas, infecções, alergias alimentares e doenças sistêmicas.

Uma vez excluídas as outras causas, o diagnóstico definitivo requer biópsia endoscópica para visualizarmos a infiltração celular. O tratamento é majoritariamente dietético (dieta de eliminação) e imunossupressor, usando corticosteroides como a prednisona. É um tratamento de longo prazo, que exige monitoramento e ajuste de dose, mas é a chave para a remissão clínica.

A Influência da Endocrinopatia (Hipertireoidismo) e da Doença Renal Crônica (DRC)

Duas doenças sistêmicas comuns em gatos geriátricos têm a diarreia como sintoma secundário. No Hipertireoidismo, o excesso de hormônio tireoidiano acelera o metabolismo e a motilidade intestinal a um nível patológico, causando diarreia por motilidade. O gato perde peso apesar de comer muito (polifagia) e fica hiperativo. Tratar o hipertireoidismo com medicamento ou iodo radioativo frequentemente resolve a diarreia.

Na Doença Renal Crônica (DRC), a diarreia pode ocorrer devido ao acúmulo de toxinas urêmicas no sangue, que irritam a mucosa intestinal, ou devido à disbiose secundária e aos desequilíbrios eletrolíticos. É um sinal de que a uremia está alta e a condição do gato está piorando. Tratar a DRC com fluidoterapia e dieta renal é fundamental para o controle desses sintomas gastrointestinais.


Protocolos de Diagnóstico: A Abordagem Prática do Clínico (Adicional 1)

Colega, o diagnóstico é a sua maior arma. Não é a medicação, mas a precisão do seu diagnóstico que salvará a vida do paciente. Você precisa ser metódico e seguir um roteiro.

Anamnese Minuciosa e Exame Físico Detalhado

O diagnóstico começa antes de qualquer exame, na sua conversa com o tutor (a anamnese). Você precisa ser um interrogador sagaz. Pergunte sobre:

  1. Duração: Aguda ou crônica?
  2. Frequência e Volume: Ajuda a localizar (delgado ou grosso).
  3. Características: Sangue, muco, cor, odor, presença de gordura (esteatorreia).
  4. Dieta: Trocas recentes, petiscos, acesso à rua, caça.
  5. Ambiente e Estresse: Mudanças de rotina, novos pets, estresse aparente.
  6. Sinais Associados: Vômito, perda de peso, polifagia/anorexia, sinais de doenças sistêmicas (beber muita água, urinar muito).

No exame físico, além da palpação abdominal, sempre avalie o estado de hidratação (turgor da pele, tempo de preenchimento capilar – TPC). Desidratação grave exige ação imediata. Sinta os linfonodos, procure por dor e avalie a condição corporal. Um gato que está perdendo peso tem uma doença crônica, até prova em contrário.

O Roteiro de Exames Laboratoriais (Hemograma, Bioquímica e Exame de Fezes)

O Exame de Fezes (coproparasitológico) é seu primeiro passo. Faça a flutuação e a sedimentação para procurar ovos de vermes e cistos de protozoários (seriados, se necessário). Lembre-se, mesmo que negativo, isso não exclui Giardia ou Tritrichomonas. Você deve considerar testes mais sensíveis.

O Hemograma e a Bioquímica são essenciais para avaliar o status sistêmico. Procure por:

  • Anemia ou Leucocitose: Indicam inflamação ou infecção.
  • Eletrólitos: Desequilíbrios (hipocalemia, hiponatremia) causados por vômito/diarreia.
  • Enzimas Hepáticas e Renais (Ureia, Creatinina): Para investigar DRC, hepatopatias ou pancreatite.
  • T4 Total: Essencial em gatos idosos para descartar Hipertireoidismo.

Em casos de diarreia crônica com suspeita de má absorção, você deve solicitar a dosagem de Cobalamina (Vitamina B12) e Folato. Níveis baixos indicam enteropatia grave e exigem suplementação, pois a B12 é vital para a saúde intestinal.

Técnicas de Imagem e Biópsia: Quando Avançar a Investigação

Quando os exames básicos não são conclusivos, você precisa avançar. A Ultrassonografia Abdominal é uma ferramenta de ouro. Ela permite avaliar a espessura da parede intestinal (que fica mais espessa na DII e no linfoma), a arquitetura dos linfonodos mesentéricos e a condição do pâncreas (suspeita de pancreatite).

Se a suspeita de DII ou Linfoma Gastrointestinal for alta, a Biópsia é o padrão ouro. Ela pode ser feita por endoscopia (menos invasiva, mas superficial) ou por cirurgia exploratória (mais invasiva, mas obtém amostras de espessura total). A biópsia é o que diferenciará, por exemplo, um caso de DII de um linfoma de baixo grau, cujos tratamentos são completamente diferentes. Você só vai saber o que fazer se souber o que tem.


Tratamento e Manejo da Diarreia: Da Emergência ao Cuidado Crônico (Adicional 2)

O tratamento deve ser sempre etiológico (direcionado à causa), mas há um forte componente de terapia de suporte. Lembre-se, o objetivo inicial é parar a perda de fluidos e restaurar a função intestinal.

A Importância Crucial da Fluidoterapia e do Suporte Eletrolítico

Em um quadro agudo e grave, como na Panleucopenia ou gastroenterite hemorrágica, a desidratação e o desequilíbrio eletrolítico são as maiores ameaças. O primeiro passo é a Fluidoterapia Intravenosa (IV). Você deve calcular o déficit, a manutenção e as perdas em curso. Soluções como Ringer Lactato são a escolha clássica para repor volume e corrigir acidose metabólica.

Você precisa monitorar a calemia (potássio) e o sódio de perto, pois a perda de potássio na diarreia é comum e a hipocalemia pode levar a fraqueza muscular e arritmias cardíacas graves. Se o paciente estiver hipocalêmico, a suplementação com KCl (cloreto de potássio) no fluido IV é obrigatória. Não adiantar dar medicação intestinal se o paciente estiver em choque hipovolêmico. Priorize o básico: volume e eletrólitos.

Estratégias Dietéticas e o Uso de Probióticos: A Reconstrução da Barreira

Em quase todos os casos de diarreia, a intervenção dietética é fundamental. Você pode recomendar uma dieta de fácil digestão, com baixo teor de gordura e alto teor de fibra solúvel, para dar um “descanso” ao intestino. Para casos crônicos ou de alergia, a dieta de eliminação ou hidrolisada é a única opção.

Os Probióticos (micro-organismos benéficos vivos) e Prebióticos (fibras que alimentam os probióticos) são seus grandes aliados na reconstrução da barreira intestinal e no tratamento da disbiose. Eles ajudam a restabelecer a comunidade bacteriana saudável, competem com patógenos e fortalecem o sistema imune local. O uso de probióticos específicos para gatos e com cepas comprovadas é o ideal, e você deve mantê-los por um período de semanas, não apenas por alguns dias. Não utilize antibióticos sem um probiótico de suporte, ou você terá um problema ainda maior.

Uso Criterioso de Antifúngicos, Antibióticos e Imunossupressores

O tratamento etiológico é específico. Se for Giardia, use Fenbendazol. Se for Tritrichomonas, use Ronidazol (com cautela, devido a neurotoxicidade). Se for uma infecção bacteriana grave (Salmonella), use o Antibiótico apropriado (após cultura e antibiograma, se possível). No entanto, para a maioria das diarreias não diagnosticadas, o uso de antibióticos empíricos deve ser evitado.

Os Imunossupressores, como os corticosteroides (Prednisolona/Budesonida), são reservados para o tratamento de DII e Linfoma. Você só vai usá-los quando a biópsia ou a exclusão exaustiva de outras causas confirmar a natureza inflamatória ou neoplásica do problema.

Em alguns casos, o uso de agentes protetores de mucosa (como o sucralfato, em casos de úlceras) ou de absorventes (como a caulim-pectina) pode ser auxiliar, mas eles nunca são o tratamento principal. Lembre-se, você é um médico, não um curandeiro.


📊 Comparativo: Gato com Diarreia e Produtos de Manejo Gastrointestinal

Para encerrar nossa aula com uma visão prática, quero que você compare três abordagens comuns para o manejo dietético e de suporte da diarreia, focando naquilo que você deve recomendar ao tutor.

CaracterísticaDieta de Prescrição Gastrointestinal (Ex: Royal Canin Gastrointestinal, Hill’s i/d)Dieta de Eliminação (Proteína Nova ou Hidrolisada)Suplemento Probiótico/Simbiótico (Ex: Fortiflora, Pro-Kolin)
Objetivo PrimárioSuporte Digestivo, Alta Digestibilidade, Recuperação Aguda.Diagnóstico e Manejo de Alergias/Hipersensibilidades Alimentares e DII.Reestabelecimento e Manutenção da Microbiota (Disbiose).
ComposiçãoAlto teor de eletrólitos, proteína de alta digestibilidade, fibras solúveis (prebióticas).Única fonte de proteína (ex: Pato, Cordeiro, Dieta Hidrolisada).Culturas de bactérias vivas (Ex: Enterococcus faecium) e prebióticos.
Quando UsarCasos agudos de gastroenterite, pancreatite leve, recuperação pós-cirúrgica.Suspeita de Alergia/Hipersensibilidade Alimentar, DII, diarreia crônica refratária.Tratamento com antibióticos, diarreia leve por estresse, disbiose pós-troca de ração.
Manejo do TutorTroca simples para a ração, seguindo as recomendações do médico.Rigor absoluto (nada mais pode ser oferecido), por 8 a 12 semanas.Mistura do pó/pasta à comida. Excelente para a adesão do tutor.

A diarreia é um sintoma, não um diagnóstico. Você tem a responsabilidade de ir além do sintoma e encontrar a causa raiz. Com a anamnese correta, o protocolo diagnóstico bem definido e o tratamento direcionado, você terá sucesso na maioria dos casos.

Agora, vá para a clínica e comece a aplicar esse conhecimento. Lembre-se, o nosso paciente felino é exigente, mas a satisfação de vê-lo voltar à sua rotina saudável não tem preço. Qual o próximo sinal clínico que você gostaria de dissecar?

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