Gravidez Psicológica em Cadelas: O que fazer?
🐶 O Vazio do Ninho: Entendendo e Manejando a Gravidez Psicológica em Cadelas
💡 A Pseudociese: O Engano Fisiológico que Confunde o Corpo
A gravidez psicológica, cujo nome técnico na nossa área é Pseudociese ou Pseudogestação, é, na essência, uma aberração fisiológica fascinante e, ao mesmo tempo, desgastante para a cadela e seu tutor. Para você que está começando, encare isso como um “engano” orquestrado pelos hormônios, onde o corpo da fêmea entra em modo de gestação completa, mesmo sem ter havido a fecundação. É um quadro extremamente comum em cadelas não castradas, e eu te garanto, você verá isso no seu dia a dia clínico mais vezes do que imagina.
A raiz do problema está na peculiar fisiologia reprodutiva da cadela. Diferentemente de outros mamíferos, a fase lútea – o período após o cio, onde o corpo lúteo se desenvolve no ovário – tem uma duração fixa, independentemente de ter havido ou não a fertilização. É o hormônio Progesterona que dita o ritmo da gestação. Depois de um pico inicial de Progesterona, esse hormônio cai, e é a ascensão de outro hormônio, a Prolactina, que dá o comando para o corpo se preparar para a maternidade. É essa ascensão da Prolactina, sem filhotes reais para amamentar, que dispara toda a cascata de sinais físicos e comportamentais da Pseudociese.
É crucial que você entenda a Pseudociese não apenas como um problema comportamental, mas como uma síndrome clínica com base endócrina. Não se trata de “frescura” ou mau comportamento, mas de uma resposta biológica profunda. O organismo da cadela, de forma primitiva e evolutiva, está programado para essa condição. Há teorias que sugerem que, na natureza, essa capacidade permitia que outras fêmeas do grupo, que não eram a mãe biológica, pudessem produzir leite e auxiliar na criação da ninhada, aumentando a taxa de sobrevivência dos filhotes. No entanto, na vida moderna, esse mecanismo se torna um transtorno de saúde e manejo.
🔬 O Diagnóstico Diferencial: Excluindo a Gestação Real
O maior desafio clínico para você, ao receber uma cadela com suspeita de gravidez psicológica, é descartar, com certeza absoluta, a gestação verdadeira. Lembre-se, o tempo máximo de uma gestação canina é de cerca de 63 dias. Os sintomas da Pseudociese geralmente aparecem 6 a 12 semanas após o cio, coincidindo com o final da gestação ou o início da lactação. O tutor, muitas vezes, chega ao consultório confuso, e é seu dever aplicar o método científico para o diagnóstico.
A anamnese detalhada é seu primeiro e melhor instrumento. Você precisa perguntar ao tutor sobre a data exata do último cio, se houve contato com machos e, principalmente, qual foi a evolução dos sinais clínicos. Se a cadela apresentar inchaço abdominal significativo, palpação de vesículas (após 21 dias) ou fetos (após 28 dias), ou se os sinais comportamentais forem muito intensos, a suspeita de gestação real é alta. É aqui que entra a tecnologia que temos à disposição: o Ultrassom abdominal.
O ultrassom é a ferramenta de ouro para diferenciar a Pseudociese de uma gestação real, especialmente nas fases iniciais. O exame não só confirmará a presença (ou ausência) de vesículas gestacionais e fetos, como também permite avaliar a saúde do trato reprodutivo, descartando complicações como uma Piometra (infecção uterina) que, embora rara neste momento, deve sempre ser considerada. Se o ultrassom for inconclusivo nas fases iniciais, a Radiografia pode ser útil após o dia 45 de gestação, quando a ossificação fetal já permite a visualização do esqueleto. Você sempre deve buscar a confirmação objetiva, meu aluno, para não cometer erros de manejo.
🛑 O Manejo Comportamental: Cortando o Estímulo Materno
Muitas vezes, a primeira coisa que o tutor pergunta é: “O que posso fazer em casa?”. O manejo ambiental e comportamental é uma parte crítica, e você deve instruir o tutor a ser firme, porém carinhoso. O foco é quebrar o ciclo de comportamento materno. Isso significa que tudo o que a cadela “adotou” como filhote – brinquedos, meias, sapatos, até mesmo a própria cama – deve ser retirado do ambiente, de forma sutil e sem gerar conflito.
Se a cadela estiver construindo um “ninho”, reorganizar o espaço dela ou distraí-la para outro cômodo pode ajudar. A chave é evitar reforçar o comportamento de “mãe”. Dar atenção extra quando ela está cuidando de um objeto só reforça o erro hormonal. A melhor abordagem é a distração positiva: aumentar a rotina de passeios, exercícios e brincadeiras interativas (como com brinquedos Kong), concentrando a energia mental e física da cadela em atividades que não envolvam o cuidado materno.
Outro ponto fundamental de manejo é com as mamas. Muitas cadelas lambem ou estimulam as próprias mamas, o que, ironicamente, aumenta a produção de Prolactina e, consequentemente, a produção de leite e o ciclo da Pseudociese. Você deve instruir o tutor a impedir essa auto-estimulação. O uso de roupas ou “bodies” cirúrgicos pode ser necessário para cobrir as mamas e evitar a lambedura. Nunca, em hipótese alguma, o tutor deve massagear, espremer ou fazer compressas quentes nas mamas, pois isso é um estímulo direto para a produção de leite, podendo piorar o quadro e, em casos graves, levar a uma mastite.
💊 A Intervenção Farmacológica: O Tratamento de Ponta
🧪 Inibidores da Prolactina: O Ataque à Raiz Hormonal
Quando o manejo comportamental não é suficiente, ou quando os sintomas físicos (como produção de leite, distensão mamária ou alterações de humor graves) são intensos, a intervenção farmacológica se torna indispensável. O tratamento padrão ouro visa inibir a produção de Prolactina, o hormônio que, como vimos, é o principal culpado por desencadear os sinais da Pseudociese. Os medicamentos mais utilizados são os agonistas dopaminérgicos, sendo a Cabergolina a mais conhecida e eficaz.
A Cabergolina age diretamente nos receptores de dopamina na hipófise, inibindo a secreção de Prolactina. O resultado é um rápido declínio nos sinais clínicos, tanto os físicos (diminuição do inchaço mamário e da produção de leite) quanto os comportamentais (redução do comportamento de ninho e da adoção de objetos). A dose e o tempo de tratamento devem ser rigorosamente seguidos, geralmente por cerca de 5 a 10 dias, dependendo da resposta da paciente. Você precisa alertar o tutor sobre a importância de não interromper o tratamento bruscamente, e sim seguir o protocolo até o fim, para evitar o efeito rebote e a recidiva rápida dos sintomas.
É vital que você reforce que a automedicação é um risco de vida. A Cabergolina é um medicamento potente e deve ser utilizada sob sua estrita supervisão. Além disso, você precisa monitorar a cadela para efeitos colaterais, que podem incluir prostração, vômitos e, em casos raros, hipotensão. Um acompanhamento clínico e, se necessário, o ajuste da dose, garantem que a paciente melhore com segurança e eficácia. Lembre-se, o nosso objetivo é sempre restabelecer o equilíbrio fisiológico da cadela o mais rápido possível.
🧠 Ansiolíticos e Psicotrópicos: Aliviando o Sofrimento Mental
Em alguns casos de Pseudociese, as alterações comportamentais são o ponto mais crítico e angustiante para o tutor. A cadela pode desenvolver um quadro de ansiedade extrema, depressão, irritabilidade, agressividade com outros animais ou pessoas, ou até mesmo um estado de prostração e anorexia. Nesses cenários, tratar apenas a questão hormonal pode não ser suficiente para reverter o sofrimento psíquico da paciente a tempo.
É aqui que entram os ansiolíticos e, em casos mais graves e refratários, os psicotrópicos. Medicamentos que auxiliam no controle da ansiedade e da compulsão (como a lambedura excessiva das mamas) podem ser indicados como terapia de suporte, sempre em conjunto com o inibidor de Prolactina. Você, como professor, sabe que a saúde mental do paciente é tão importante quanto a física. A escolha do medicamento e a dosagem devem ser individualizadas, considerando o temperamento da cadela e a gravidade dos sintomas comportamentais.
O uso de feromônios sintéticos, como os que simulam o odor apaziguador materno, também pode ser um excelente coadjuvante no manejo ambiental para acalmar a cadela em seu período de maior estresse. A abordagem deve ser sempre multifacetada: farmacológica para o hormônio, comportamental para o ambiente e, se necessário, psicotrópica para o humor. Seu papel é orientar o tutor a ter paciência e a criar um ambiente de paz, mas com rotinas e distrações bem definidas, para que a cadela possa se recuperar de seu estado mental alterado.
⛔ Corticosteroides: Por Que EVITAR
Em um passado não muito distante, o uso de corticosteroides era comum no tratamento da Pseudociese, com o objetivo de inibir a produção de Prolactina. No entanto, a medicina veterinária evoluiu, e você deve evitar essa prática. O uso de glicocorticoides, embora possa reduzir os sinais em um primeiro momento, pode ter um efeito colateral grave e indesejado: o risco de induzir o parto ou a produção de Prolactina em excesso em alguns animais.
Além disso, o uso indiscriminado de corticoides acarreta uma série de efeitos colaterais sistêmicos que você, como profissional responsável, deve prezar por evitar. O aumento da ingestão de água (polidipsia) e de alimento (polifagia), a supressão adrenal em uso prolongado, e o risco de imunossupressão são problemas que complicam o quadro da paciente sem oferecer uma vantagem real em relação aos agonistas dopaminérgicos, que são mais eficazes e direcionados ao alvo hormonal.
Portanto, ao montar seu plano de tratamento, opte pelo protocolo mais moderno e seguro, que é a Cabergolina. Reserve os corticosteroides apenas para situações em que há uma reação inflamatória secundária, como no manejo inicial de uma mastite leve, e sempre em doses e por períodos curtos. Sua conduta deve ser sempre pautada na evidência científica atualizada, abandonando práticas que já se provaram menos eficientes ou mais arriscadas.
🩺 Complicações e Consequências: Olhando para o Futuro
⚠️ Mastite e Galactostase: O Perigo da Estagnação Láctea
A maior complicação física da Pseudociese é a Mastite, que é a inflamação e infecção da glândula mamária, ou a Galactostase, que é o empedramento do leite devido à estagnação. Como as mamas estão produzindo leite, mas não há filhotes para esvaziá-las, o acúmulo e o represamento da secreção láctea podem levar a um processo inflamatório muito doloroso. A glândula fica quente, vermelha, inchada e extremamente sensível ao toque.
Neste cenário, a cadela pode apresentar sinais de dor, prostração, febre e, em casos graves, anorexia e depressão. O tratamento da Mastite exige uma abordagem rápida e, muitas vezes, o uso de antibióticos de amplo espectro, dependendo da gravidade e da identificação de um agente infeccioso (o que requer a coleta de uma amostra de leite para cultura e antibiograma). Novamente, você deve orientar o tutor a nunca estimular as mamas e, em casos de dor e inchaço, fazer compressas frias ou utilizar medicamentos analgésicos e anti-inflamatórios sob sua prescrição.
O risco de Mastite é um argumento poderoso que você deve usar para convencer o tutor sobre a necessidade do tratamento ou, melhor ainda, da prevenção. O manejo incorreto ou a falta de tratamento da Pseudociese não é apenas um desconforto temporário, mas uma porta aberta para uma doença que pode exigir tratamento intensivo e até mesmo uma intervenção cirúrgica, em casos de necrose tecidual.
📈 Risco Aumentado de Tumores de Mama e Piometra
Aqui está um ponto crucial, meu aluno, que conecta a Pseudociese com a saúde reprodutiva a longo prazo: a recorrência do quadro. Cadelas que apresentam Pseudociese frequentemente, cio após cio, estão mais expostas a flutuações hormonais intensas. Esse desequilíbrio é um fator de risco comprovado para o desenvolvimento de patologias uterinas e mamárias.
O aumento da incidência de Tumores de Mama em fêmeas não castradas ou que tiveram múltiplos episódios de Pseudociese é uma associação que você não pode ignorar. As glândulas mamárias são alvo dos hormônios sexuais, e a estimulação repetida e desregulada é um substrato para a carcinogênese. Além disso, a cada ciclo estral, há um risco de desenvolvimento de Piometra, que é a infecção uterina grave, com risco de vida, que ocorre tipicamente na fase lútea, sob a influência da Progesterona.
É por isso que a sua recomendação final e mais impactante será sempre a Castração. Você deve posicionar a castração não apenas como um método de controle populacional, mas como a solução definitiva e terapêutica para a Pseudociese, e a melhor forma de prevenção de Tumores de Mama e Piometra. É um argumento de saúde e longevidade que o tutor precisa entender.
✨ A Solução Definitiva: O Papel Preventivo da Castração
✂️ Castração: A Cura Preventiva Contra a Pseudociese
A castração (ovariohisterectomia) é o único método que garante a prevenção completa da gravidez psicológica. Ao remover os ovários, que são as fontes primárias de Progesterona e estrogênio, você interrompe o ciclo hormonal que leva ao desequilíbrio e à subsequente produção de Prolactina. Em outras palavras, você elimina a causa raiz da Pseudociese.
Você deve apresentar a castração ao tutor não como uma simples cirurgia, mas como um investimento na qualidade de vida da cadela. Explique que, ao optar pela cirurgia, eles estarão eliminando o estresse físico e mental recorrente que a Pseudociese causa, além de remover o risco de doenças graves. A melhor hora para castrar uma cadela que está em um quadro de Pseudociese é após a estabilização hormonal, quando os sintomas já foram controlados pelo tratamento medicamentoso.
É importante ressaltar que a castração deve ser realizada fora do pico hormonal ativo da Pseudociese. A cirurgia durante o período de inflamação e inchaço mamário pode ser mais arriscada e tecnicamente mais difícil. Uma vez que o tratamento medicamentoso tenha resolvido os sinais (geralmente após a interrupção da produção de leite e normalização do comportamento), você terá a janela ideal para realizar a ovariohisterectomia de forma segura e eletiva.
📚 Comparação de Tratamentos para a Pseudociese
Para você ter um resumo prático de como abordar o tema com um tutor, e para você mesmo ter clareza nas suas opções de manejo, veja este quadro comparativo entre as principais abordagens. Lembre-se de sempre personalizar sua escolha para cada paciente.
| Abordagem | Mecanismo de Ação | Vantagens | Desvantagens |
| Cabergolina (Inibidor de Prolactina) | Inibe a secreção de Prolactina pela hipófise, revertendo os sinais. | Rápida resolução dos sintomas (físicos e comportamentais). Não invasivo. | Não previne futuras recorrências. Pode causar efeitos colaterais (vômito, prostração). |
| Manejo Ambiental (Distração, Retirada de Objetos) | Quebra o ciclo de reforço do comportamento materno. | Sem efeitos colaterais. Essencial em todos os casos. Baixo custo. | Ineficaz em casos graves com sintomas físicos intensos. Dependente da disciplina do tutor. |
| Castração (Ovariohisterectomia) | Remoção dos ovários, eliminando a fonte hormonal que causa o desequilíbrio. | Cura definitiva da Pseudociese. Previne Tumores de Mama e Piometra. | Procedimento cirúrgico e anestésico. Requer cuidados pós-operatórios. |
Você viu, meu aluno, que a gravidez psicológica em cadelas é muito mais do que um simples “comportamento estranho”. É uma complexa interação de hormônios, comportamento e riscos à saúde. A sua atuação como veterinário deve ser sempre no sentido de tranquilizar o tutor, diagnosticar com precisão (descartando a gestação real), tratar de forma segura e, o mais importante, orientar para a prevenção definitiva através da castração. Sua expertise fará toda a diferença na vida dessa paciente.
Agora que você tem uma visão completa sobre a Pseudociese, o que mais posso te ajudar a aprofundar, como por exemplo, nos protocolos cirúrgicos para a ovariohisterectomia ou no manejo de uma Mastite?




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