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Lágrima Ácida em Pets: O que causa e como tratar

Lágrima Ácida em Pets: O que causa e como tratar

Lágrima Ácida em Pets: O que causa e como tratar

👁️ Lágrima Ácida em Cães: A Epífora Crômica, Causas Oftalmológicas e o Manejo da Porfirina

Meus caros, se você tem um cão de pelo branco, sabe exatamente do que estamos falando. Aquelas manchas vermelhas, marrons ou até pretas que escorrem do canto interno do olho e teimam em não sair, manchando o pelo. O tutor chama de lágrima ácida, mas aqui no consultório, nós oftalmologistas temos um termo mais preciso: Epífora Crômica. E o meu primeiro dever é desmistificar o nome popular.

Não se trata de uma lágrima com pH baixo, ou seja, não é ácida. O pH da lágrima canina é geralmente neutro. A cor não é causada pela acidez, mas sim por um pigmento natural, o que nos leva a uma investigação de detetive: por que seu cão está produzindo mais lágrima do que o normal (Epífora) e por que essa lágrima está manchando (Crômica)? A resposta está na anatomia, na saúde e na dieta. Sua missão é entender a causa-raiz para que a limpeza diária seja uma solução, e não uma frustração.


I. Introdução: O Mito da Acidez e a Realidade da Porfirina

Para tratar a mancha, você precisa entender o que ela é. A cor é o sintoma, não a doença.

Epífora Crômica: O nome técnico e o desvio do excesso de lágrima.

O termo Epífora significa a produção ou o acúmulo excessivo de lágrima na superfície do olho, que transborda em vez de ser drenada. Em raças como Pugs, Shih Tzus e Pequineses (os braquicefálicos), a estrutura da face é tão achatada que o excesso de lágrima é quase uma condição inerente. Onde o pelo é escuro, você não vê. Onde o pelo é claro, a mancha se revela.

Nós tratamos a Epífora focando na anatomia e na irritação. Se o problema for resolvido, a lágrima para de escorrer e o pelo para de molhar. Sem excesso de umidade, a mancha não tem onde se desenvolver.

A Química da Mancha: Porfirina (pigmento férrico) e o papel da oxidação no escurecimento.

A causa da coloração avermelhada/marrom é o pigmento porfirina. A porfirina é um pigmento férrico (contém ferro) que é um subproduto normal da quebra de hemácias (células vermelhas do sangue) e de outros componentes no corpo.

Essa porfirina é excretada em pequenas quantidades pela lágrima, saliva e urina. Quando a lágrima escorre e entra em contato com o ar e a luz solar, o ferro contido na porfirina oxida. Pense em um prego enferrujando. É essa oxidação que transforma o pigmento incolor em vermelho, marrom ou até preto. Isso não significa que o cão está anêmico ou doente; significa apenas que a lágrima está em contato com o pelo por muito tempo.

Raças de Pelo Claro: O fator genético e a conformação craniana (braquicefalia).

Por que os braquicefálicos e os cães de pelo claro são os mais afetados? Por duas razões. Primeiro, a cor do pelo atua como um revelador químico. O pigmento da mancha é visível apenas no pelo branco ou muito claro.

Segundo, a conformação craniana desses cães é predisponente. A face achatada, os olhos proeminentes e o osso nasal mais curto mudam o ângulo e o percurso do Ducto Nasolacrimal (o “encanamento” que drena a lágrima para o nariz), facilitando a obstrução e o transbordamento da lágrima. Nesses casos, a Epífora é um desafio estrutural que exige uma abordagem especializada.


II. As Causas Oftalmológicas: O Problema da Drenagem

Em 80% dos casos de Epífora crônica, o problema reside na drenagem. A lágrima é produzida normalmente, mas não consegue ser escoada.

Obstrução do Ducto Nasolacrimal: O “encanamento” entupido e a importância da sondagem.

O Ducto Nasolacrimal é o sistema de drenagem da lágrima. Ele começa em pequenos orifícios nas pálpebras (punctum lacrimal) e desce até o nariz. Em muitos cães, esse ducto é naturalmente estreito, tem dobras ou está obstruído por restos celulares, muco ou, em casos mais raros, por inflamação crônica.

Quando o ducto está entupido, a lágrima não tem para onde ir e, pela lei da gravidade, escorre para fora. O oftalmologista pode realizar um procedimento chamado sondagem e irrigação do ducto nasolacrimal. Injetamos um corante (geralmente fluoresceína) no olho e observamos se ele sai pela narina. Se não sair, confirmamos a obstrução e tentamos desobstruir o canal com uma sonda fina.

Fatores de Irritação: Cílios Ectópicos, Entrópio e a Pálpebra Invertida.

Qualquer coisa que irrite a superfície do olho aumenta a produção de lágrima como um reflexo de lavagem. O olho irritado chora mais. As irritações mais comuns são: cílios que crescem em direção à córnea (distiquíase ou cílios ectópicos) e o Entrópio.

O Entrópio é a inversão da pálpebra (geralmente a inferior), fazendo com que os pelos da pálpebra raspem constantemente a córnea e a conjuntiva. Essa fricção crônica é extremamente dolorosa e causa lacrimejamento constante. Em casos graves de irritação ou Entrópio, a única solução eficaz é a correção cirúrgica para eliminar a causa da irritação.

Produção Excessiva (Lacrimejamento Reflexo): Resposta a dor, corpo estranho ou glaucoma.

Em alguns casos, a Epífora é um sinal de que algo mais sério está acontecendo, e o olho está lacrimejando para se proteger. Um corpo estranho (como um grão de areia preso sob a terceira pálpebra) ou uma úlcera de córnea (lesão na camada superficial do olho) causam dor intensa e um lacrimejamento reflexo e repentino.

Ainda mais grave é o Glaucoma, o aumento da pressão intraocular, que é uma emergência oftalmológica. A dor da pressão aumentada pode levar a um lacrimejamento abundante e súbito. Se a Epífora vier acompanhada de dor, vermelhidão intensa ou olho azulado/esbranquiçado, pare de se preocupar com a mancha e corra para o veterinário, pois a visão do seu cão pode estar em risco.


III. A Contribuição da Microbiota e da Umidade

Se a Epífora é o problema do escoamento, o fator Crômico (a mancha) é, na maioria das vezes, um problema de infecção secundária e umidade crônica.

Proliferação de Leveduras: A Malassezia e a mancha úmida: Mau cheiro e cor marrom intensa.

A lágrima escorre, o pelo fica úmido e quente, e isso cria um ambiente perfeito para a proliferação de micro-organismos oportunistas. O principal vilão aqui é a levedura Malassezia e certas bactérias.

Quando a Malassezia se estabelece nessa área de umidade crônica, ela se alimenta da lágrima e de restos celulares, e o pelo adquire uma cor marrom escura ou preta, além de um odor rançoso e forte. Nesses casos, a Epífora é agravada por uma dermatite de dobra úmida. O tratamento exige antifúngicos e antibacterianos tópicos específicos para controlar a superpopulação desses micro-organismos.

A Dermatite da Dobra: O acúmulo de secreção em cães com dobras faciais (ex: Pug, Bulldog).

Raças com dobras de pele (Pug, Bulldog, Shar Pei) enfrentam um desafio extra. A secreção e a lágrima escorrem e ficam presas nas dobras de pele ao redor do nariz e dos olhos.

Essa umidade e atrito constantes levam à dermatite úmida de dobra (ou intertrigo), uma inflamação que se torna crônica e dolorosa. A mancha é apenas a ponta do iceberg de uma infecção mais profunda na dobra. A higiene aqui é ainda mais crítica, exigindo a limpeza com soluções secantes e, em alguns casos, a tosa higiênica e cirúrgica da dobra para ventilar a área.

Fatores Ambientais: Poeira, fumaça, produtos químicos e a irritação constante.

O ambiente doméstico pode ser um gatilho constante de Epífora. Se seu cão vive em um local com muita poeira (tapetes e carpetes velhos), fumaça de cigarro ou produtos químicos de limpeza voláteis, a irritação constante das mucosas oculares fará com que o cão chore mais como mecanismo de defesa.

Observe o ambiente onde seu cão dorme e brinca. Certifique-se de que a ventilação é adequada e evite o uso de desinfetantes com cheiro forte que possam irritar os olhos sensíveis. A remoção do irritante ambiental é, muitas vezes, o tratamento mais simples e rápido para a Epífora.


IV. O Protocolo de Higiene: Limpeza, Secagem e Restauração

A higiene é o tratamento de suporte mais importante. Sem ela, nenhuma cirurgia ou medicação fará efeito.

A Limpeza Antisséptica: O uso de soluções apropriadas (Ácido Bórico ou Clorexidina diluída) para desinfecção.

A limpeza deve ser feita com soluções que tenham leve ação antisséptica e secante. Você não deve usar água pura, pois a umidade é o problema. Soluções oftálmicas veterinárias com ácido bórico ou clorexidina diluída (na concentração correta, jamais pura!) são boas escolhas.

Você deve usar uma gaze ou algodão limpo (um para cada olho) e limpar suavemente a área manchada, removendo o muco, as crostas e o excesso de lágrima. A limpeza deve ser diária e constante, visando remover o pigmento oxidado e o excesso de micro-organismos que escurecem a mancha.

A Secagem Rígida: Por que manter a área seca é o melhor antídoto contra a mancha.

Esta é a dica mais valiosa que eu posso te dar: a mancha só se desenvolve em ambiente úmido. Se você conseguir manter a área absolutamente seca, a proliferação de leveduras e a oxidação do pigmento são minimizadas.

Após a limpeza, você deve secar a área com uma gaze limpa e seca ou um pedaço de algodão, com toques suaves, sem esfregar. Se o cão tem a mancha muito intensa, você pode usar um pó secante veterinário na área, que não tenha talco e que seja seguro para os olhos. O compromisso com a secura deve ser mantido ao longo do dia, com inspeções e secagem rápida.

O Trimming Higiênico: A tosa regular do pelo na área medial do olho para ventilação e limpeza.

Em cães de pelo longo e de pelo claro, o pelo ao redor do canto interno do olho fica saturado de lágrima e serve como um pavão que leva a umidade para a pele. Esse pelo também pode entrar em contato com o olho, atuando como um irritante.

A solução é o trimming higiênico, que é a tosa regular e cuidadosa do pelo nessa região. Manter a área do medial do olho curta e bem tosada melhora a ventilação, facilita a limpeza e impede que o pelo manchado fique em contato com a pele limpa e seca, ajudando a quebrar o ciclo da Epífora Crômica.


V. O Controle Interno: Dieta e Saúde Sistêmica

A Lágrima Ácida pode ser um sintoma de um desequilíbrio interno, e a investigação deve começar pela dieta e pelas alergias.

A Qualidade da Proteína: O papel da digestibilidade no metabolismo da Porfirina.

Embora a correlação entre dieta e porfirina não seja 100% comprovada, muitos veterinários notam que a qualidade da alimentação pode influenciar. A teoria é que proteínas de baixa digestibilidade ou ingredientes que causam inflamação gastrointestinal podem aumentar a produção de subprodutos metabólicos, incluindo a porfirina.

Uma dieta de alta qualidade, com fontes de proteína de alto valor biológico e que seja fácil de digerir, pode, indiretamente, reduzir a carga metabólica do organismo. Em alguns casos, a simples troca da ração para uma marca premium ou super premium ou para uma dieta hipoalergênica pode levar à diminuição da intensidade da mancha, sem qualquer outra intervenção.

O Rastreio de Alergias: Alergia Alimentar e Ambiental como causas de Epífora Inflamatória.

A alergia é uma causa primária de Epífora que é frequentemente negligenciada. A Alergia Alimentar (a proteínas comuns como frango ou carne bovina) ou a Dermatite Atópica (alergia ambiental a ácaros e pólen) causam uma reação inflamatória sistêmica.

Essa inflamação se manifesta nos olhos como conjuntivite alérgica e lacrimejamento inflamatório (Epífora). O cão chora mais por causa da reação alérgica. Nesses casos, a mancha só vai desaparecer se a alergia for controlada, seja através de uma dieta de eliminação (para a alimentar) ou através de imunomoduladores (para a ambiental).

A Desmineralização da Água: Uso de água filtrada ou mineral para reduzir o teor de minerais (ferro) ingeridos.

Lembra que a porfirina é um pigmento férrico (contém ferro)? Algumas fontes de água de torneira ou água de poço podem ter um alto teor de minerais, incluindo o ferro, que, ao serem ingeridos, podem teoricamente aumentar a concentração de pigmentos na lágrima.

Embora seja uma causa secundária, uma dica simples de prevenção é mudar o tipo de água oferecida. Use água mineral engarrafada ou, preferencialmente, água filtrada por osmose reversa ou filtro de carvão ativado. Essa mudança elimina a ingestão de minerais e cloro que podem contribuir para a oxidação do pigmento e a irritação ocular.


VI. Intervenções Clínicas e Terapêuticas Avançadas

Quando a higiene e a dieta não resolvem, a medicina veterinária tem opções que vão desde a cirurgia até o manejo farmacológico avançado.

Oftalmologia Cirúrgica Corretiva: Soluções permanentes para Entrópio/Ectrópio e a Punctoplastia.

Em casos onde a anatomia é a causa incontornável, a cirurgia é a solução mais definitiva. A correção do Entrópio (pálpebra invertida) elimina o atrito dos pelos na córnea, cessando o lacrimejamento reflexo.

Para problemas de drenagem, podemos realizar a Punctoplastia, um pequeno procedimento cirúrgico que visa aumentar a abertura do punctum lacrimal (o orifício inicial de drenagem da lágrima). Se o orifício for muito pequeno, aumentar seu diâmetro pode ser a chave para que o excesso de lágrima seja drenado para o nariz, resolvendo a Epífora.

A Cautela com Antibióticos Orais: Por que o uso indiscriminado (Tilosina) é perigoso e antiético.

Você pode encontrar no mercado e na internet produtos que prometem remover a mancha com o uso de um antibiótico oral chamado Tilosina (Tylosin). A Tilosina atua alterando a microbiota lacrimal e salivar, eliminando as bactérias que contribuem para a oxidação e escurecimento da mancha.

No entanto, esta é uma prática perigosa! O uso contínuo e indiscriminado de antibióticos sem um diagnóstico bacteriano específico e sem necessidade clínica contribui para a resistência antimicrobiana, uma crise de saúde pública. Nós, veterinários, só devemos prescrever antibióticos quando há uma infecção comprovada. Nunca use esses produtos “milagrosos” sem a supervisão e prescrição do seu oftalmologista.

Suplementação e Vitaminas B: O suporte nutricional na regulação do pigmento férrico.

Embora não haja um suplemento “cura-mancha”, o uso de complexos vitamínicos pode ajudar. As Vitaminas do Complexo B, especialmente a B12, são essenciais para o metabolismo das porfirinas e podem, teoricamente, ajudar o organismo a processar e eliminar o pigmento de forma mais eficiente pela urina e fezes, em vez de pela lágrima.

Outros suplementos que visam a saúde intestinal (probióticos) também podem ajudar, melhorando a digestão e reduzindo a inflamação sistêmica. O objetivo é criar um ambiente interno mais saudável que naturalmente minimize a excreção de pigmentos pela lágrima.


VII. Conclusão: Não é Acidez, é Anatomia e Manejo

Chegamos ao fim da nossa análise da Lágrima Ácida. O problema não está na “acidez” da lágrima, mas na anatomia e na disciplina de manejo.

Recapitulando a causa-raiz e o tratamento.

A mancha é um problema de Epífora (excesso de lágrima) que oxida o pigmento Porfirina. O tratamento mais eficaz é sempre o da causa-raiz: desobstruir o ducto, corrigir o Entrópio ou tratar a alergia subjacente.

Enquanto a causa-raiz não é resolvida, sua rotina de higiene rígida (limpeza com antisséptico suave, secagem constante e trimming do pelo) é a única forma ética e segura de manter o pelo do seu cão claro e sem manchas.

O compromisso do tutor com a rotina de limpeza.

Seu cão de pelo claro exige um compromisso de tempo. É uma rotina diária, mas que traz resultados satisfatórios e, o mais importante, garante que a mancha não esteja escondendo uma condição médica mais séria. Seja persistente e consulte seu oftalmologista veterinário para um diagnóstico preciso.


Quadro Comparativo: Tratamento da Mancha (Tópico)

Aqui está um quadro que compara as três abordagens tópicas mais comuns para o manejo da Epífora Crômica, destacando os riscos de cada uma.

Produto/AbordagemObjetivo PrimárioVantagensDesvantagens/Riscos
Solução Salina/Água BóricaLimpeza e Antissepsia LeveSeguro para os olhos, remove muco e crostas, baixo risco de irritação.Não é eficaz contra infecção fúngica (Malassezia) ou bacteriana intensa.
Pós Secantes/AbsorventesRedução da UmidadeExcelente para manter a área seca (antídoto contra a mancha).Não trata a causa do lacrimejamento. Deve-se evitar talco (irritante pulmonar).
Pomadas com Antibiótico (Prescrito)Eliminação de Infecção SecundáriaControla a proliferação bacteriana/fúngica que escurece a mancha.Risco: Só deve ser usado sob prescrição para infecção comprovada, para evitar resistência.

Gostaria que eu fizesse uma pesquisa sobre os protocolos de higiene e limpeza ocular específicos para raças braquicefálicas (como Pug e Shih Tzu) para aprimorar sua rotina de cuidados?

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