Esporotricose: Um guia essencial para tutores de gatos
Esporotricose: Uma Batalha Fúngica – O Guia Definitivo do Professor Veterinário para Tutores de Gatos
Sente-se, aluno. Hoje, vamos conversar sobre um assunto que, infelizmente, se tornou uma emergência real nas nossas cidades: a esporotricose felina. Eu sei, o nome é grande e soa complicado, mas a doença em si é ainda mais traiçoeira. Como seu professor de medicina veterinária, meu objetivo aqui é ir muito além do que você encontra em uma simples pesquisa na internet. Quero te dar a perspectiva clínica e de saúde pública que transforma um tutor preocupado em um agente de mudança.
Você, tutor, é a linha de frente. Você é quem percebe a primeira alteração, a ferida que não sara. Portanto, pare de procurar soluções mágicas ou se desesperar com informações alarmistas. Vamos, juntos, mergulhar na ciência desse fungo, entender como ele se comporta e, o mais importante, aprender a combatê-lo de forma eficaz e humana. Lembre-se: o conhecimento é a ferramenta mais poderosa que você tem para proteger seu companheiro felino e sua família. Vamos começar?
II. Entendendo o Inimigo: O Que é a Esporotricose Felina?
A esporotricose é uma micose subcutânea. Não a confunda com uma dermatofitose superficial (aquelas “tineas” ou micoses de pele simples), que são mais fáceis de resolver. Esta é uma doença causada por um complexo de fungos dimórficos do gênero Sporothrix, sendo o Sporothrix brasiliensis a espécie que, de longe, mais nos preocupa aqui no Brasil, devido à sua virulência e alta capacidade de transmissão zoonótica. O termo “subcutânea” significa que o fungo não fica apenas na camada mais externa da pele; ele vai para as profundezas do tecido, onde o sistema imunológico tem mais dificuldade em contê-lo. É por isso que as lesões de esporotricose se tornam tão persistentes e destrutivas. É uma infecção crônica que, se não for diagnosticada e tratada corretamente, compromete gravemente a saúde do seu gato e de qualquer outro mamífero em contato.
A Micose Subcutânea e o Agente Causal:
O que torna o Sporothrix um patógeno tão interessante – e perigoso – é o seu dimorfismo. Isso é um termo chique para explicar que o fungo tem duas formas de vida, dependendo da temperatura. A $25\,^\circ\text{C}$ ou em ambiente natural (solo, vegetação, matéria orgânica em decomposição), ele assume a forma filamentosa, uma estrutura que se parece com mofo ou bolor. Esta é a forma que chamamos de saprófita, ou seja, vivendo no ambiente. Quando o fungo é inoculado na pele de um hospedeiro, como seu gato, a temperatura corporal dele ($37$-$38\,^\circ\text{C}$) o transforma na forma leveduriforme (levedura). Esta é a forma parasitária, a que causa a doença e é altamente contagiosa.
Você precisa entender que a esporotricose não é um problema novo; ela sempre existiu. No entanto, o surgimento e a disseminação agressiva do Sporothrix brasiliensis no Brasil, principalmente nas últimas décadas, mudaram completamente o cenário epidemiológico. Ele é mais adaptado aos felinos e, consequentemente, mais transmissível. O gato, por natureza, tem hábitos que facilitam essa transmissão: caçar, brigar, afiar as unhas em substratos potencialmente contaminados e, mais importante, possuir nas suas lesões e unhas uma quantidade gigantesca de leveduras (a forma infecciosa) que são liberadas em arranhões ou mordidas. Por isso, a esporotricose felina é hoje a principal fonte de infecção para cães e, sobretudo, para nós, humanos, caracterizando-a como uma das zoonoses emergentes mais importantes do nosso tempo.
O Ciclo do Fungo:
Imagine o ciclo como um triângulo vicioso: Ambiente $\rightarrow$ Gato $\rightarrow$ Outros Animais/Humanos. O ciclo começa no ambiente. O fungo filamentoso vive no solo e em vegetais, e o gato se infecta por inoculação traumática — ou seja, espinhos, lascas ou até mesmo o próprio solo contaminado perfuram sua pele. Uma vez infectado, o gato desenvolve as lesões, onde o fungo se manifesta na sua forma leveduriforme, altamente infecciosa. É neste ponto que o gato se torna um vetor crucial. Durante uma briga com outro gato, um arranhão em você, ou mesmo ao se lamber e dispersar secreções contaminadas no ambiente, ele transfere essas leveduras para um novo hospedeiro.
A grande diferença no ciclo do Sporothrix brasiliensis é a altíssima concentração de leveduras nas lesões do gato, o que o torna um amplificador e transmissor muito mais eficiente do que o solo ou outros animais, como cães. Para você ter uma ideia, enquanto um cão geralmente tem uma forma mais discreta da doença e baixa carga fúngica nas lesões, o gato é um verdadeiro reservatório e disseminador dessa levedura. Por isso, restringir o acesso do gato à rua não é apenas uma medida de segurança individual; é uma medida de saúde pública para quebrar esse ciclo de transmissão.
Por Que o Gato é o Principal Transmissor?
A resposta está na sua etologia e na própria biologia da infecção. Primeiro, o gato é um animal territorial e, se não for castrado, tende a brigar muito, resultando em feridas abertas, que são a porta de entrada perfeita para o fungo. Mais ainda, suas garras e dentes, usados em brigas, se tornam verdadeiras “agulhas” inoculadoras, carregadas de leveduras de outros gatos doentes. Segundo, as unhas: o gato frequentemente coça e lambe suas lesões. Mesmo que as unhas não estejam lesionadas, elas podem estar contaminadas com secreção das feridas, tornando cada arranhão um risco.
O gato desenvolve uma forma de esporotricose mais agressiva, a forma cutânea e a disseminada, com lesões que sangram, exsudam (soltam pus) e contêm milhões de leveduras do fungo. É esse material, purulento e abundante, que se espalha pelo ambiente e, por contato direto, contamina você. O gato não está “mal-intencionado” ao te arranhar, mas o potencial zoonótico é gigantesco. Entender o gato como o principal elo dessa cadeia de transmissão é fundamental para que você aborde o tratamento não como uma punição, mas como um ato de responsabilidade para com ele, sua casa e a comunidade.
III. O Mapa dos Sinais: Reconhecendo a Doença
Seja franco, tutor: você é o primeiro a ver o problema. Na clínica, a história mais comum que ouvimos é: “Ah, doutor, eu pensei que era só briga…” É justamente aí que mora o perigo. A esporotricose tem um disfarce sutil no início, mas o que a distingue de um arranhão de rotina é a sua falta de resposta ao tempo e aos cuidados básicos. Vamos afiar seu olhar clínico e te ensinar a reconhecer o fungo antes que ele se espalhe.
A Lesão que Não Cicatriza:
Aqui está o sinal cardinal da esporotricose felina: a lesão que não cicatriza. Se o seu gato, especialmente um macho com acesso à rua, apresenta uma ferida que já dura mais de uma semana, que parece estar piorando em vez de melhorar, ou que forma um nódulo (caroço firme) que depois se ulcera (abre) e não fecha, acenda o alerta vermelho. Essas lesões são tipicamente nodulares ou ulceradas, com crostas e uma secreção purulenta ou sanguinolenta.
A localização clássica é a cabeça e o focinho, as orelhas, as patas e a base da cauda. Pense bem: são as áreas mais expostas em brigas e na exploração do ambiente. A úlcera da esporotricose, clinicamente falando, muitas vezes parece uma cratera: é profunda, com bordas elevadas e exsudativa. Não tente “secar” ou tratar em casa com pomadas que não foram prescritas por um veterinário. Você estará apenas perdendo tempo precioso, dando ao fungo mais chance de se instalar profundamente. Se não cicatrizou com o anti-inflamatório local ou antibiótico que você usou para o “achado” da briga, é hora de procurar o laboratório.
As Três Fases da Infecção:
Embora na prática clínica a distinção nem sempre seja tão nítida, didaticamente, dividimos a esporotricose em três formas de apresentação:
- Cutânea: É a forma mais comum. A infecção fica restrita à pele e ao tecido subcutâneo, geralmente na forma de nódulos e úlceras que descrevemos. Se o tratamento for iniciado aqui, o prognóstico é excelente.
- Linfocutânea: Nesta forma, o fungo, além da lesão inicial, se dissemina pelos vasos linfáticos (o sistema de drenagem de fluidos do organismo). Você pode notar uma fileira de nódulos ou feridas que sobem pela pata ou pelo corpo, seguindo o trajeto do vaso linfático, um fenômeno chamado de esporotricose “ascendente”. Isso indica que a infecção está ganhando terreno e se tornando mais sistêmica, embora ainda localizada.
- Disseminada: Esta é a forma mais perigosa e, felizmente, mais rara, geralmente ocorrendo em casos negligenciados ou em animais imunossuprimidos. O fungo cai na corrente sanguínea e atinge órgãos internos, como pulmões, fígado, baço e até mesmo olhos e sistema nervoso central. Nesses casos, os sinais deixam de ser só de pele: o gato fica apático, perde o apetite, emagrece e pode ter sinais respiratórios graves (espirros crônicos, secreção nasal). Quando a doença chega a este ponto, o tratamento é mais desafiador e o prognóstico, mais reservado.
Sinais de Alerta para o Envolvimento Sistêmico:
Como professor, eu sempre insisto com meus alunos: observe o paciente, não apenas a lesão. No caso da esporotricose felina, a presença de sinais sistêmicos é um indicativo de que a infecção pode ter passado da fase cutânea. Fique atento a: espirros frequentes e secreção nasal que não melhoram com o tratamento de rotina. Nesses casos, o fungo já atingiu a mucosa nasal ou até mesmo o trato respiratório superior.
Outros sinais cruciais são: perda de peso inexplicada (emaciação), febre recorrente, e falta de apetite (anorexia). Um gato com esporotricose disseminada está lutando uma batalha interna séria. Sua performance biológica cai muito. Ao notar um ou mais desses sinais associados a lesões de pele que não curam, você tem uma emergência. Não hesite. Leve seu gato imediatamente para a clínica, pois a velocidade do diagnóstico e do início do tratamento faz toda a diferença para salvar a vida do seu aluno peludo.
IV. A Lógica do Diagnóstico Veterinário
Não se trata de adivinhar; trata-se de provar. O diagnóstico de esporotricose não se baseia apenas no “visual” da ferida. Existem outras doenças de pele que imitam a esporotricose (neoplasias, outras micoses). Nosso trabalho, como veterinários, é seguir uma lógica investigativa para isolar o agente e confirmar o diagnóstico, garantindo que o seu gato receba o tratamento certo, no tempo certo.
Do Exame Físico ao Padrão Ouro:
O processo de diagnóstico começa com o histórico clínico detalhado (o gato sai de casa? Teve contato com outros animais? Há quanto tempo a lesão existe?). A seguir, o exame físico e dermatológico, onde palpamos e examinamos as lesões. No entanto, a confirmação requer exames laboratoriais.
O Padrão Ouro para o diagnóstico de esporotricose é a Cultura Micológica. Basicamente, coletamos a secreção da lesão, semeamos em um meio de cultura específico e esperamos o fungo crescer na sua forma filamentosa, identificando-o. Por que é o padrão ouro? Porque ele prova, inequivocamente, a presença e a viabilidade do fungo. O problema é que demora dias ou semanas para crescer, e na nossa rotina clínica, precisamos de algo mais rápido.
Por isso, na maioria dos casos, partimos para a Citologia. Coletamos o material da lesão por swab (cotonete estéril) ou aspiração com agulha fina, colocamos em uma lâmina, coramos e analisamos no microscópio. Embora a citologia tenha a desvantagem de não ser 100% sensível (às vezes a levedura está lá, mas não a encontramos), quando encontramos, o diagnóstico é quase instantâneo. Em áreas de alta incidência, o veterinário pode optar por começar o tratamento empiricamente com base na forte suspeita clínica e citológica.
A Importância do Diagnóstico Diferencial:
Como mencionei, a esporotricose é uma grande imitadora. Se não fizermos o diagnóstico diferencial correto, você pode acabar gastando tempo, dinheiro e esperança tratando uma condição que não existe, enquanto a doença real avança. Precisamos excluir outras doenças que causam nódulos e úlceras na pele.
Entre as principais, cito: Criptococose (outra micose sistêmica, mas causada por outro fungo), Piodermites profundas (infecções bacterianas graves), Carcinoma Epidermoide (um tipo de câncer de pele), e até mesmo lesões causadas por corpos estranhos (como projéteis ou pedaços de madeira). O veterinário, ao analisar a citologia ou a biópsia (coleta de um pequeno pedaço de tecido), procura pelas características únicas do Sporothrix, separando-o de outros invasores. Um diagnóstico incorreto, por exemplo, de câncer, pode levar a uma eutanásia desnecessária. Por isso, a certeza laboratorial é nossa aliada fundamental.
O Que a Citologia nos Mostra:
A citologia, quando positiva, é fascinante. Sob o microscópio, na lâmina da secreção do seu gato, o que buscamos são as células leveduriformes do Sporothrix. Elas são frequentemente ovais ou alongadas. O que chamamos, na brincadeira, de “forma de charuto” é uma imagem clássica. O achado dessas leveduras, muitas vezes em grande número e localizadas dentro dos macrófagos (as células de defesa do corpo), nos dá a certeza necessária para iniciar o protocolo de tratamento agressivo.
É importante ressaltar que o gato é, muitas vezes, o único animal que apresenta essa enorme carga fúngica nas lesões, tornando a citologia uma ferramenta muito mais valiosa na espécie felina do que em cães, onde o fungo é mais difícil de ser encontrado. Se o seu veterinário colher o material e disser que encontrou a levedura, você não tem mais dúvida: é esporotricose.
V. O Protocolo Terapêutico e o Compromisso do Tutor
O tratamento da esporotricose é um compromisso de longo prazo. Não pense em semanas; pense em meses. A parte difícil não é curar o gato, mas sim manter a disciplina. Como professor, posso te garantir: o insucesso do tratamento quase sempre está ligado à interrupção precoce da medicação ou à falta de isolamento, não à ineficácia do remédio.
Itraconazol: O Pilar do Tratamento:
Atualmente, o Itraconazol é o medicamento de eleição, o “padrão ouro” para a terapia da esporotricose felina na maioria dos protocolos. Ele pertence à classe dos antifúngicos azólicos, e seu mecanismo de ação é atacar a parede celular do fungo, impedindo que ele se multiplique.
É crucial que você entenda duas coisas: dose e duração. A dosagem para gatos é específica e, muitas vezes, mais alta do que a usada para outras espécies, para garantir que o medicamento atinja a concentração necessária nos tecidos infectados. A duração é a parte mais crítica. O tratamento nunca deve ser interrompido assim que as lesões desaparecerem. O fungo é persistente e se esconde. O protocolo correto é manter o tratamento por um período que varia, mas geralmente é de 30 a 60 dias após a cura clínica – ou seja, após o desaparecimento completo das lesões.
O grande desafio do Itraconazol é o seu efeito colateral potencial no fígado. Por isso, seu veterinário deve solicitar exames de sangue periódicos para monitorar a função hepática (enzimas como ALT e FA). Nunca, em hipótese alguma, medique seu gato com antifúngicos humanos sem orientação veterinária. A automedicação é perigosa e pode ser fatal.
A Rotina de Cuidados e o Isolamento Necessário:
Seu gato doente é uma fonte de contaminação, tanto para você quanto para outros animais da casa. O isolamento é obrigatório.
- Restrição: O gato deve ser mantido dentro de casa, idealmente em um cômodo de fácil higienização (como uma lavanderia ou banheiro que possa ser isolado) e com ventilação adequada, sem contato com outros pets. Jamais deixe-o sair.
- Manipulação Segura: Você deve usar luvas descartáveis (EPI) sempre que manusear o gato, limpar as feridas ou entrar em contato com suas secreções, fezes ou urina. Lave as mãos exaustivamente após qualquer contato. Se houver lesões abertas, o uso de máscaras e óculos é recomendado para evitar a inoculação acidental do fungo nas mucosas.
- Limpeza Ambiental: O ambiente deve ser higienizado diariamente com hipoclorito de sódio (água sanitária) diluído na proporção de 1:10 (1 parte de água sanitária para 10 partes de água), deixando agir por $10$ a $15$ minutos para desativar o fungo. Lave bem os paninhos, caminhas e utensílios.
Monitoramento e a Regra dos 30 Dias Pós-Cura:
Durante o tratamento, as lesões vão involuir (diminuir), e o gato vai demonstrar melhora clínica. Isso é um sinal de que o medicamento está funcionando, mas não de que a doença acabou.
A “Regra dos 30 Dias Pós-Cura” é vital: uma vez que as lesões sumiram completamente (cura clínica), o tratamento deve continuar por mais, no mínimo, 30 dias (e, idealmente, 60 dias, dependendo do protocolo do veterinário e da gravidade inicial). O fungo pode estar em remissão, mas não erradicado. Interromper o tratamento cedo demais é a principal causa de reincidência. E acredite: a reincidência geralmente significa um fungo mais resistente e um tratamento mais demorado e caro. Leve o seu compromisso a sério. Seu sucesso é o sucesso do seu pet e da saúde pública.
VI. Prevenção e Saúde Pública: A Visão do Professor
Não existe tratamento mais eficaz do que a prevenção. A esporotricose é uma zoonose, o que significa que é uma doença compartilhada entre animais e humanos. Combatê-la exige uma abordagem de Saúde Única (One Health), reconhecendo que a saúde dos felinos, a sua saúde e a do ambiente estão interligadas.
A Zoonose e a Responsabilidade Humana:
Você, tutor, é o primeiro elo na prevenção da transmissão zoonótica. O principal modo de infecção para humanos é o arranhão de um gato doente. Mas não é só isso. O fungo pode ser inoculado em lesões preexistentes na sua pele, ou até mesmo em microtraumas ao manusear o animal sem luvas.
Sua responsabilidade vai além do tratamento do seu gato. Se você tem um animal doente, você é responsável por informar todos os moradores e visitantes da casa sobre o risco e as medidas de biossegurança (uso de luvas, higienização). Se o gato vier a óbito (o que, com tratamento adequado e precoce, é raro), você tem a responsabilidade legal e sanitária de dar o destino correto à carcaça. JAMAIS ENTERRE um gato que morreu de esporotricose. O fungo, na forma filamentosa, sobreviverá no solo e contaminará o ambiente por anos, perpetuando o ciclo. A única destinação segura é a cremação ou incineração, geralmente em centros de controle de zoonoses ou clínicas credenciadas.
O Papel da Castração e do Manejo Ético:
Aqui está uma das medidas de prevenção mais eficientes e, muitas vezes, subestimadas: a castração. Por quê? Gatos machos não castrados têm um instinto territorial fortíssimo, o que os leva a sair para a rua, brigar e acasalar. A briga é o principal vetor de transmissão de gato para gato. Ao castrar seu gato, você:
- Diminui o comportamento de fuga: Ele fica mais em casa e tem menos acesso a ambientes potencialmente contaminados (solo, plantas, lixões).
- Reduz a agressividade territorial: Ele briga menos com outros gatos, reduzindo a chance de ser mordido ou arranhado por um animal infectado.
A castração, combinada com a restrição do acesso à rua, tem um impacto direto e mensurável na redução da incidência de esporotricose. É um manejo ético populacional que protege seu pet e diminui a circulação da doença na sua cidade. Pense nisso: a castração não é só sobre controle de natalidade; é sobre prevenção de zoonoses.
Biossegurança Doméstica: Limpeza e Descarte Corretos:
Sua casa precisa ser uma zona de exclusão para o fungo.
- Restrição de Movimento: O gato deve ser um “gato indoor“. Se você tem um quintal, certifique-se de que ele seja seguro, sem acesso a grandes áreas de terra ou matéria orgânica em decomposição.
- Limpeza de Ferramentas: Se você for um jardineiro, use luvas grossas e botas ao manusear solo, palha ou vegetais. Lembre-se que o fungo é o “Rose Gardener’s Disease”.
- Descarte: Os curativos e materiais contaminados do gato devem ser descartados em sacos plásticos duplos e bem fechados para evitar a dispersão de material fúngico no lixo comum. A conscientização sobre o descarte e, novamente, a cremação de carcaças, são as ações de biossegurança mais críticas que o tutor pode tomar para proteger a Saúde Única.
VII. Desafios e Mitos Comuns na Clínica
Na clínica e no consultório, somos diariamente confrontados com dúvidas e informações distorcidas que circulam por aí. Como seu professor, vou desmistificar alguns pontos cruciais que podem causar pânico ou, pior, negligência.
O Mito da Transmissão Aérea e Saliva:
Um dos maiores medos é que o gato transmita a esporotricose simplesmente por respirar ou lamber o tutor. Isso é um mito que precisa ser derrubado.
A principal via de transmissão é a inoculação traumática – ou seja, o fungo precisa ser introduzido na sua pele através de uma ruptura, como um arranhão ou uma mordida, ou o contato direto da secreção da lesão do gato com uma ferida aberta sua. A levedura (a forma infecciosa) está concentrada nas lesões abertas e nas garras contaminadas. A saliva do gato em si, a menos que ele tenha lesões orais (o que é raro) e esteja lambendo uma ferida aberta sua, não é o vetor primário. Gatos com doença respiratória disseminada podem, teoricamente, espirrar o fungo, mas esse não é o mecanismo de infecção mais comum. A regra de ouro é: evite o contato com as lesões, use luvas e tenha cuidado com as garras. Não abandone seu gato por medo de um beijo!
A Questão da Reincidência e o Gato de Rua Curado:
“Doutor, meu gato curou, ele está imune agora?” A resposta é um categórico Não.
O tratamento da esporotricose gera uma cura clínica, mas a reincidência, ou seja, a volta da doença, é totalmente possível. O fungo não confere uma imunidade duradoura e protetora, e a vida na rua é um risco constante. Um gato que foi curado e volta a ter acesso à rua, a brigas e a ambientes contaminados tem um risco altíssimo de ser re-infectado.
É por isso que a restrição de acesso à rua deve ser uma política de vida, e não apenas de tratamento. Se o gato for curado, ele deve permanecer indoor para o resto de sua vida. Do ponto de vista de saúde pública, a reincidência é perigosa porque, a cada novo ciclo de infecção, o gato volta a ser um disseminador do fungo para a comunidade. Portanto, a castração e a guarda responsável são a “vacina” que a esporotricose não tem.
Comparando os Antifúngicos: Vantagens e Riscos:
Embora o Itraconazol seja o nosso campeão, existem outras opções terapêuticas que o veterinário pode considerar, especialmente em casos refratários ou de alta virulência.
| Produto | Classe/Composição | Vantagens | Riscos/Desvantagens |
| Itraconazol | Triazol (Azólico) | Tratamento de eleição, alta eficácia na forma cutânea, boa absorção oral. | Alto risco de hepatotoxicidade (dano ao fígado), alto custo em tratamentos longos, necessita de monitoramento sanguíneo. |
| Iodeto de Potássio (KI) | Iodeto | Baixo custo, boa eficácia. | Sabor ruim (dificulta administração), alto risco de efeitos colaterais gastrointestinais, pode causar iodo-dermatite (lesões cutâneas), menos usado em gatos (mais sensíveis). |
| Terbinafina | Alilamina | Alternativa em casos de resistência ao Itraconazol, menor hepatotoxicidade potencial. | Menos estudos em felinos, eficácia inferior em monoterapia para casos graves, o custo pode ser alto. |
O iodeto de potássio, que já foi muito utilizado, é hoje menos prescrito para gatos devido à sua toxicidade e à dificuldade de administração. A tendência atual é, em casos complexos ou resistentes, usar o Itraconazol em doses mais altas ou combiná-lo com a Terbinafina (terapia combinada). A mensagem principal é: o veterinário é quem deve guiar a escolha do antifúngico, monitorando as funções orgânicas do seu pet durante todo o processo. Lembre-se, o objetivo não é apenas curar, mas curar sem comprometer a saúde a longo prazo.
VIII. Conclusão
Você acaba de concluir um dos guias mais importantes que um tutor de gato pode ler hoje. A esporotricose não é uma sentença de morte; é um desafio de saúde que exige conhecimento, compromisso e disciplina.
Como seu professor veterinário, quero que você saia daqui com uma mentalidade clara e acionável:
- Guarda Responsável Acima de Tudo: Mantenha seu gato dentro de casa, castrado. Essa é a base de toda a prevenção.
- A Ferida que Persiste: Se uma lesão não cicatrizar em uma semana, leve ao veterinário imediatamente. Não tente tratar com “pomadinhas”.
- Compromisso Inabalável: O tratamento é longo e caro. Não interrompa a medicação (Itraconazol) até que o veterinário libere, seguindo a regra dos 30-60 dias pós-cura clínica. Monitore o fígado.
Ao fazer sua parte, você não está apenas salvando seu gato. Você está agindo como um agente de Saúde Única, protegendo sua família, seus vizinhos e a comunidade. A esporotricose é uma batalha que vencemos com ciência, vigilância e, acima de tudo, amor responsável. Vá em frente. Você está pronto para enfrentar esse desafio. O seu gato conta com a sua dedicação.




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