O ciclo estral (cio) da cadela: O que esperar
🔬 O Ciclo Estral (Cio) da Cadela: Um Manual do Professor de Reprodução
Olá! Excelente tema para aprofundarmos. Se a longevidade é o nosso destino, a reprodução é o ciclo que o sustenta. Entender o ciclo estral da cadela não é apenas uma curiosidade biológica; é uma necessidade clínica para qualquer veterinário que se preze, e para o tutor que deseja manejar sua fêmea com responsabilidade. O que chamamos popularmente de “cio” é, na verdade, uma das quatro fases de um ciclo complexo, orquestrado por uma dança hormonal sofisticada.
Eu sempre digo aos meus alunos: o ciclo da cadela é diferente das outras espécies domésticas. Ela é monoéstrica não sazonal, ou seja, ela cicla uma ou duas vezes por ano (em média a cada 6-8 meses), e esse intervalo é fundamental para que o seu útero tenha tempo de se recuperar completamente. Essa particularidade evolutiva visa garantir a saúde do útero para a próxima gestação. Você, como clínico, precisa dominar as quatro fases distintas desse ciclo e saber exatamente o que esperar de cada uma delas, tanto no aspecto físico quanto no comportamental.
A cadela entra na puberdade, geralmente, entre os 6 e 12 meses, mas raças grandes podem demorar até 18 ou 24 meses para ter seu primeiro cio. A partir desse ponto, o ciclo se repete até a senescência, mas é crucial entender que a cadela não tem menopausa como as mulheres – ela cicla até o fim da vida, embora os intervalos possam se alongar e a fertilidade diminua com a idade. Portanto, vamos decodificar cada fase, como um bom diagnóstico hormonal, para que você possa orientar o tutor de forma precisa e segura.
H2: A Orquestra Hormonal: As Quatro Fases do Ciclo Estral
O ciclo estral canino é dividido em quatro atos: Proestro, Estro, Diestro e Anestro. Cada um tem sua duração e sua função específica, ditadas pela flutuação dos principais hormônios, o Estrógeno e a Progesterona. Você precisa associar cada fase a um padrão hormonal e a um comportamento claro do animal. É essa tríade (hormônio, físico e comportamento) que lhe dará a certeza de onde o paciente se encontra no ciclo.
O Estrogênio, secretado pelos folículos ovarianos em desenvolvimento, é o responsável pelos sinais físicos iniciais e pelo aumento do fluxo sanguíneo. Em seguida, o pico do Hormônio Luteinizante (LH) desencadeia a ovulação. Finalmente, a Progesterona, produzida pelo Corpo Lúteo (a estrutura que se forma após a ovulação), assume o comando, seja para sustentar uma gestação ou para causar a famosa “pseudociese” (gravidez psicológica). Não negligencie o Anestro; ele é um período ativo de recuperação uterina e o mais longo do ciclo.
Essa cronometragem é vital, especialmente se o tutor tem interesse em reprodução. Errar a fase pode significar a perda de uma ninhada ou, pior, uma gestação indesejada. Por isso, a combinação de sinais clínicos observados pelo tutor, a citologia vaginal realizada por você e a dosagem de Progesterona sérica são as ferramentas que garantem a precisão. Você não está apenas vendo um sangramento; está testemunhando o corpo se preparando de forma minuciosa para o evento mais importante da natureza: a criação de uma nova vida.
H3: O Proestro: O Início do Alerta (A Fase do “Não”)
O Proestro é o primeiro sinal visível do cio, e eu o chamo de “o período do alerta”. Ele tem uma duração média de 9 a 10 dias, mas pode variar de 3 a 17 dias. O que você (e o tutor) deve esperar é uma série de mudanças físicas e comportamentais que anunciam a iminente fertilidade.
O principal sinal clínico é o edema (inchaço) da vulva, que se torna mais turgida e evidente. Logo em seguida, ou simultaneamente, aparece o corrimento vulvar sanguinolento, que varia de um vermelho vivo a um tom mais róseo ou acastanhado. Esse sangramento não é menstruação; é resultado da diapedese de glóbulos vermelhos (passagem de células sanguíneas através da parede dos vasos) devido ao alto nível de Estrógeno. O Estrógeno, nesse período, está no seu pico, preparando o trato reprodutivo. O tutor precisa entender que o volume desse sangramento é altamente variável e, muitas vezes, discreto, pois a cadela se lambe frequentemente.
No aspecto comportamental, a cadela no Proestro atrai os machos, graças à liberação de feromônios no seu corrimento e urina, mas ela recusa veementemente a cópula. Se um macho tentar se aproximar, ela pode rosnar, sentar ou se afastar. Ela está enviando um sinal químico para toda a vizinhança, mas, do ponto de vista físico e comportamental, ainda não está pronta para o acasalamento. O fim do Proestro é marcado pela diminuição do sangramento, amolecimento da vulva e, o mais importante, a mudança no comportamento de aceitação.
H3: O Estro: A Fase da Receptividade (O Período Fé rtil)
O Estro é o verdadeiro “cio”, o período de receptividade sexual e fertilidade máxima. Ele dura em média 5 a 10 dias, iniciando-se quando a cadela finalmente aceita a monta do macho. Essa mudança de comportamento é o sinal mais confiável para o tutor.
Fisicamente, a vulva, embora ainda edemaciada, tende a ficar mais flácida e o corrimento sanguinolento diminui, tornando-se mais claro, seroso e palha. No nível hormonal, o Estrógeno despenca, e a Progesterona começa a subir (níveis de 2 a $3 ng/mL$ marcam o pico de LH), pois a ovulação está prestes a acontecer ou já aconteceu. É crucial lembrar que a ovulação da cadela é “atrasada” em relação a outras espécies; os óvulos são liberados imaturos e precisam de mais 48 a 72 horas para amadurecerem e se tornarem fertilizáveis.
O comportamento de aceitação é o que define o Estro. A cadela adota a postura de lordose (curva a coluna) e, se tocada na região lombar ou na base da cauda, desvia a cauda lateralmente (“bandeiramento”), expondo a vulva. É o seu sinal claro de que a janela fértil está aberta. Para um manejo reprodutivo de sucesso, é nessa fase que a dosagem de Progesterona sérica se torna sua principal aliada para determinar o momento exato do acasalamento ou inseminação. Sem essa aceitação e o timing correto, não há chance de gestação.
H3: O Diestro e Anestro: A Fase da Espera e do Descanso
O Diestro é a fase que se segue ao Estro e é dominada pela Progesterona. Ocorre tanto em fêmeas gestantes quanto nas não gestantes (daí a frequente “gravidez psicológica”). O Diestro dura cerca de 60 a 90 dias, coincidindo com o período de gestação normal.
O que esperar clinicamente é o fim da receptividade e o início da regressão do edema vulvar. Os níveis de Progesterona se mantêm elevados (mesmo que a cadela não tenha cruzado) e é essa permanência que prepara o útero para a gestação. A pseudociese (gravidez psicológica) é um evento comum no Diestro de fêmeas não gestantes, manifestando-se com produção de leite, construção de ninhos e comportamento maternal. É a Progesterona, seguida pela prolactina, fazendo seu trabalho.
Após o Diestro, a Progesterona cai e inicia-se o Anestro. Esta é a fase de inatividade sexual e hormonal mais longa, durando em média 3 a 10 meses. Fisicamente, a vulva retorna ao seu tamanho normal, e o útero passa por uma regeneração e descanso total. Este longo período é essencial para a saúde uterina, permitindo a cicatrização completa do endométrio. Você deve garantir que o tutor entenda a importância desse descanso. É nesse período que a cadela estará no seu estado basal, e qualquer corrimento vaginal ou alteração comportamental durante o Anestro é um sinal de alerta para patologias como piometra ou vaginite, e exige uma investigação imediata.
H2: Sinais de Alerta e Cuidados Essenciais durante o Ciclo
O seu papel como professor veterinário é ir além da descrição das fases e focar nos insights práticos para o tutor. O ciclo estral é um período de grande vulnerabilidade para a cadela e exige cuidados especiais. Duas das patologias mais sérias e comuns na fêmea não castrada estão intrinsecamente ligadas ao ciclo hormonal: a Piometra (infecção uterina) e a Pseudociese (que pode se tornar um problema comportamental e de saúde).
A Piometra, por exemplo, ocorre mais frequentemente no Diestro, quando o útero está sob o efeito da Progesterona, que causa o fechamento do cérvix e um espessamento do endométrio, criando um ambiente perfeito para a proliferação bacteriana. Saber reconhecer os sinais sutis e agir rapidamente pode salvar a vida da paciente. Por isso, a vigilância do tutor é um componente crucial no plano de manejo do ciclo estral.
Além disso, o comportamento da cadela e o manejo da higiene exigem atenção. Uma fêmea no cio não deve sair sozinha, e o risco de fugas e acidentes é real. Oriente o tutor a ser responsável e a entender que o comportamento de atração sexual é um fenômeno biológico muito forte que não deve ser negligenciado, especialmente se a cadela não for para reprodução.
H3: Prevenção de Gestação Indesejada e Manejo da Higiene
Se a cadela não for para a reprodução, a prevenção é o nome do jogo. Você deve ser enfático: durante o Estro, a cadela deve ser mantida em ambiente seguro e sob vigilância total. O poder da atração dos feromônios é surpreendente, e os machos podem percorrer longas distâncias, escalar muros e até arrombar portões para chegar até a fêmea. Não confie em cercas frágeis ou passeios sem guia.
Para o manejo da higiene, o corrimento do Proestro e início do Estro pode ser incômodo. Você pode recomendar o uso de calcinhas higiênicas específicas para cadelas (trocadas frequentemente para evitar assaduras e infecções de pele). Contudo, é fundamental alertar que a calcinha não é um método contraceptivo! Ela apenas contém o fluxo.
Além disso, é importante orientar sobre a higiene da vulva. O tutor pode limpar a região com água morna e um pano limpo para evitar o acúmulo de secreções, o que pode atrair mais insetos ou causar dermatites. Lembre-se, um ambiente limpo e um manejo responsável são as bases para evitar estresse desnecessário e garantir a tranquilidade da cadela e do lar.
H3: Ameaças do Diestro: Piometra e Gravidez Psicológica
Eu já disse a vocês: o Diestro é a fase mais perigosa para a saúde uterina. A Piometra é uma emergência médica que ocorre frequentemente 4 a 8 semanas após o cio. Os sinais são vagos inicialmente: aumento da ingestão de água (polidipsia), aumento da micção (poliúria), letargia, e, em casos de Piometra aberta, um corrimento vaginal purulento. Em casos de Piometra fechada (cérvix fechado), o útero se enche de pus sem o corrimento, o que leva a uma toxemia e a um risco de vida muito maior.
Você precisa instruir o tutor a monitorar esses sinais no período pós-cio. Qualquer sinal de doença 4 a 10 semanas após o término do sangramento deve levantar a suspeita de Piometra até que se prove o contrário. O diagnóstico rápido, muitas vezes com ultrassonografia e hemograma, e o tratamento (quase sempre a ovariohisterectomia de emergência) são cruciais.
A Pseudociese (Gravidez Psicológica) é o outro lado da moeda hormonal do Diestro. É uma resposta fisiológica à alta Progesterona seguida da queda de Progesterona e aumento da Prolactina. O tutor deve ser avisado sobre os sinais: comportamento de ninho, adoção de objetos, irritabilidade, e até produção de leite. O manejo deve ser comportamental (remover os objetos de “filhotes”) e, em casos graves, medicamentoso para inibir a Prolactina. É fundamental desmistificar a crença de que ela precisa “ter um ciclo” para “limpar o útero”; a única solução definitiva é a castração.
H3: Fatores de Risco e Irregularidades a Serem Investigadas
O seu olho clínico deve estar atento a qualquer irregularidade no ciclo. Ciclos muito curtos (menos de 4 meses) ou muito longos (mais de 12 meses, fora das raças que naturalmente ciclam a cada 1 ano, como o Basenji), cios prolongados (Proestro ou Estro com mais de 20-25 dias) ou Proestro/Estro ausente (Anestro persistente) devem ser investigados. Essas alterações podem indicar desde uma simples variação individual até problemas sérios.
Fatores de risco incluem o uso indiscriminado de anticoncepcionais hormonais (que aumentam drasticamente o risco de Piometra e tumores mamários), e doenças endócrinas como o hipotireoidismo, que pode causar Anestro persistente ou ciclos irregulares.
Sempre que o tutor relatar uma dessas irregularidades, você deve iniciar uma investigação diagnóstica que pode incluir citologia vaginal seriada, dosagem hormonal (principalmente Progesterona e Estrógeno), ultrassonografia ovariana e uterina e exames de perfil endócrino. Não assuma que é “apenas uma fase”; a irregularidade pode ser o primeiro sintoma de uma patologia subjacente que compromete a saúde geral e a longevidade da paciente.
Gostaria de um aprofundamento sobre a técnica de citologia vaginal para determinar a fase do ciclo estral, ou de informações mais detalhadas sobre o manejo clínico da Piometra?




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