Sarna em Cachorro: Tipos, Sintomas e Tratamentos
🦠 A Sarna Canina: Um Guia para Enfrentar os Ácaros Invasores
E aí, futuros e atuais colegas da clínica dermatológica! Vamos conversar sobre um dos grandes vilões da pele canina: a Sarna. Eu sei que a palavra “sarna” já traz uma imagem de coceira intensa, de pele irritada e de um desconforto terrível para o nosso paciente. Mas, o nosso trabalho aqui é desmistificar e entender que a sarna não é uma coisa só. Ela é, na verdade, um grupo de dermatoses parasitárias, cada uma causada por um tipo diferente de ácaro. Sem entender qual ácaro está em campo, você não consegue montar a estratégia de tratamento certa.
No nosso consultório, a sarna é um diagnóstico que exige mais do que apenas um olhar. Exige a precisão de um detetive, reunindo a história clínica, a localização das lesões e, crucialmente, a confirmação laboratorial através do raspado de pele. Não confunda a sarna com uma simples alergia ou uma dermatite bacteriana. A sarna é uma infestação que, se não for tratada de forma agressiva e correta, compromete a qualidade de vida do cão, leva a infecções secundárias graves e, em alguns casos, pode até ser uma ameaça à saúde pública.
Você precisa explicar ao tutor que a sarna não é um reflexo de sujeira ou negligência, embora a falta de higiene e o ambiente de estresse possam agravar. É uma condição parasitária que exige manejo médico, assim como a gente trata vermes ou pulgas. Vamos mergulhar nos três tipos principais que você vai encontrar na sua rotina e entender a fisiopatologia por trás de cada um deles.
🔬 Tipos de Sarna: Três Ácaros, Três Estratégias Diferentes
Quando falamos de sarna em cães, estamos lidando com três etiologias principais: a Sarcóptica, a Demodécica e a Otodécica. Cada uma tem um ácaro específico como vilão, um modo de transmissão diferente e, portanto, um protocolo de tratamento único.
🔥 Sarna Sarcóptica (Escabiose): A Contagiosa e Pruriginosa
A Sarna Sarcóptica, ou Escabiose Canina, é a mais famosa e, sem dúvida, a que causa o maior terror na hora do diagnóstico. Ela é causada pelo ácaro Sarcoptes scabiei var. canis, um parasita que é considerado um não habitante natural da pele do cão. O que o torna tão temido? O fato de ser altamente contagiosa, tanto para outros cães quanto para humanos (embora nas pessoas a infestação seja autolimitante, pois o ácaro não completa o ciclo).
O ácaro Sarcoptes é um verdadeiro engenheiro de túneis. A fêmea escava microscópicos túneis na camada mais superficial da pele (epiderme) para depositar seus ovos e se alimentar. Essa atividade de escavação e a liberação de resíduos e excreções do ácaro provocam uma reação alérgica intensa e imediata no hospedeiro. O sintoma cardinal, o grande sinal de alerta, é o prurido extremo e persistente, que piora significativamente à noite ou com o aumento da temperatura.
Os cães afetados se coçam e se mordem incessantemente, resultando em lesões secundárias como escoriações, crostas e vermelhidão (eritema), tipicamente nas margens das orelhas, cotovelos, jarretes (calcanhares) e barriga. Essa coceira intensa leva à perda de pelo (alopecia) nessas regiões. Na sarna sarcóptica, a coceira é desproporcional à lesão inicial. Ou seja, o cão coça muito mesmo quando as lesões parecem pequenas. A suspeita clínica é fortíssima quando você nota esse prurido e o histórico de contato com cães de rua, abrigos ou ambientes de higiene duvidosa.
🌑 Sarna Demodécica (Sarna Negra): O Parasita Oportunista
A Sarna Demodécica, popularmente conhecida como Sarna Negra (pela hiperpigmentação que pode causar na pele crônica), é um caso à parte. Ela é causada pelo ácaro Demodex canis, um parasita em forma de charuto que, acreditem ou não, é um habitante normal e comensal da pele da maioria dos cães saudáveis, vivendo pacificamente dentro dos folículos pilosos.
O problema não é a presença do Demodex, mas sim a sua superpopulação. A doença só se manifesta quando há uma falha no sistema imunológico do cão que permite a multiplicação descontrolada do ácaro. Por isso, a sarna demodécica não é contagiosa. Ela é um reflexo de um problema subjacente na imunidade do animal, seja por predisposição genética (muito comum em certas raças), por estresse, por doenças concomitantes (como hipotiroidismo) ou por imunossupressão (uso de corticosteroides).
A apresentação clínica pode ser localizada (com pequenas falhas de pelo ao redor dos olhos e boca, ou nas patas) ou generalizada, cobrindo grandes áreas do corpo. Nas formas generalizadas, a queda de pelo é significativa, a pele fica espessada, oleosa e com odor desagradável devido às infecções bacterianas secundárias que se instalam. O prurido na sarna demodécica, ao contrário da sarcóptica, só é intenso se houver uma infecção bacteriana secundária associada. O tratamento, neste caso, não se concentra apenas em matar o ácaro, mas em descobrir e corrigir a causa da baixa imunidade.
👂 Sarna Otodécica (Sarna de Ouvido): A Invasão no Canal Auditivo
A Sarna Otodécica é causada pelo ácaro Otodectes cynotis. Como o nome sugere, este ácaro tem predileção por se alojar no canal auditivo e na superfície interna do pavilhão auricular, alimentando-se de cera e óleos que se acumulam ali.
Esta sarna é altamente contagiosa entre cães e, especialmente, entre cães e gatos. Se você diagnosticar um caso em um cão, deve sempre verificar os outros animais da casa. O sintoma clássico é a coceira intensa nas orelhas e o ato de sacudir a cabeça constantemente. No exame otoscópico, você encontrará um acúmulo de secreção escura, seca e granulosa dentro do canal, que se assemelha a “borra de café”.
A irritação causada pelo ácaro leva à otite externa e, de tanto coçar, o cão pode se ferir gravemente, causando escoriações ao redor das orelhas ou até mesmo um otohematoma (acúmulo de sangue entre a cartilagem e a pele da orelha), que exige intervenção cirúrgica. A sarna otodécica é uma das causas mais comuns de otite em filhotes e cães com acesso a outros animais.
🩺 Sintomas Detalhados e Diagnóstico de Precisão
O diagnóstico da sarna é uma arte que combina a observação clínica com o rigor laboratorial. Se você confia apenas no olhar, você pode estar confundindo uma sarna sarcóptica (contagiosa) com uma DAPP (alergia a pulgas), o que tem sérias implicações para o tratamento e a saúde pública.
🔎 O Prurido, a Lesão e os Sinais Comportamentais
O sintoma mais evidente de qualquer sarna é a coceira (prurido). No entanto, o tipo de coceira e a lesão que ela gera nos dão pistas sobre o ácaro envolvido:
- Sarcóptica: Prurido extremamente intenso, que leva à automutilação. Lesões iniciais como pápulas avermelhadas e, posteriormente, crostas espessas e queda de pelo. A coceira é o desespero do cão.
- Demodécica: Prurido ausente ou leve (a menos que haja infecção secundária). Lesões iniciais são falhas de pelo bem delimitadas (alopecia localizada), que se tornam oleosas e escamosas.
- Otodécica: Coceira focada nas orelhas, com secreção escura e cheiro forte, indicando infecção secundária (otite).
Além das lesões de pele, a sarna avança e causa alterações comportamentais. O cão fica inquieto, irritado e pode apresentar agressividade quando tocado nas áreas afetadas, devido à dor e ao desconforto. A perda de apetite e o emagrecimento podem ocorrer em casos crônicos de sarna sarcóptica e demodécica generalizada, devido ao estresse metabólico e à dor.
🔬 O Raspado de Pele: A Prova dos Nove
Para ter certeza do diagnóstico, o raspado de pele é o seu principal aliado. É um exame simples e rápido:
- Raspado de Pele Profundo: Usado para a sarna demodécica. O ácaro Demodex vive profundamente no folículo piloso. Você precisa raspar a pele com uma lâmina e óleo mineral até que ocorra um leve sangramento capilar (o chamado raspado sangrento) para garantir a coleta dos ácaros no fundo do folículo.
- Raspado de Pele Superficial: Usado na sarna sarcóptica, embora seja o grande desafio. O ácaro Sarcoptes é notório por ser difícil de encontrar, e a simples presença de lesões e o prurido intenso já podem levar ao diagnóstico terapêutico (iniciar o tratamento e ver a resposta).
- Coleta de Secreção Auricular: Usado na sarna otodécica. Uma amostra da secreção do ouvido é colocada em uma lâmina e observada no microscópio. O Otodectes cynotis é geralmente fácil de encontrar e visualizar.
Se o raspado for negativo, mas a suspeita clínica para sarna sarcóptica for altíssima (prurido desproporcional e histórico de contato), você deve proceder com o teste terapêutico – iniciar o tratamento acaricida e observar a remissão dos sintomas.
💊 Tratamento Moderno: A Era dos Acaricidas Sistêmicos
O tratamento da sarna evoluiu muito e, felizmente, hoje temos opções que proporcionam uma cura mais rápida, segura e com menos estresse para o cão e o tutor. Os banhos medicamentosos são coadjuvantes; o foco é a ação sistêmica do medicamento.
🥇 Ação Sistêmica: As Isoxazolinas e a Cura Rápida
A grande revolução no tratamento da sarna veio com os antiparasitários orais da classe das Isoxazolinas (como Afoxolaner, Fluralaner, Sarolaner). Esses medicamentos são administrados por via oral, são absorvidos e circulam na corrente sanguínea. Quando o ácaro se alimenta do sangue do cão (Sarcóptica) ou entra em contato com o fluido tecidual (Demodécica), ele ingere o ativo e morre rapidamente.
A vantagem é a alta eficácia contra todos os tipos de sarna (Sarcóptica, Demodécica e Otodécica) e a conveniência. Uma única dose do Fluralaner, por exemplo, pode ser curativa para a Sarna Sarcóptica e proporciona o controle para a Demodécica por até 12 semanas. Essa via de administração elimina a necessidade de banhos estressantes e aplicações tópicas diárias, aumentando drasticamente a adesão do tutor.
Você deve prescrever esses medicamentos como a primeira linha de tratamento, especialmente nos casos de Sarna Sarcóptica, para zerar a população de ácaros o mais rápido possível e interromper o ciclo de contágio. A segurança e a eficácia são os pilares dessa escolha.
🧴 Tratamentos Coadjuvantes: O Suporte à Pele
O medicamento que mata o ácaro é o tratamento de base, mas você precisa tratar as consequências da sarna.
O uso de shampoos antissépticos e antisseborreicos (com Clorexidina, Peróxido de Benzoíla) é essencial para:
- Remover Crostas e Detritos: Especialmente na sarna demodécica, onde a pele é espessa e oleosa, a limpeza é crucial para expor os ácaros ao tratamento.
- Combater Infecções Secundárias: As bactérias oportunistas aproveitam a pele lesionada e causam piodermite. O shampoo medicamentoso e, se necessário, o antibiótico oral, são essenciais.
Para o tratamento da Sarna Otodécica, o protocolo envolve a limpeza auricular com soluções ceruminolíticas e o uso de acaridas tópicos otológicos ou o uso de antiparasitários sistêmicos (Isoxazolinas ou Moxidectina spot-on). Lembre-se, o tratamento sistêmico é mais eficaz porque atinge o ácaro em toda a sua distribuição e é mais fácil de aplicar do que as múltiplas gotas no ouvido.
🌍 Prevenção e Manejo Ambiental: Evitando a Recidiva
O tratamento da sarna não termina quando os ácaros morrem. O seu plano deve ser projetado para prevenir a recidiva (retorno da doença), o que é particularmente importante na sarna demodécica e sarcóptica.
🧬 Manejo da Sarna Demodécica: Imunidade e Genética
Na Sarna Demodécica, a prevenção da recidiva é o nosso maior desafio, pois o problema é a baixa imunidade do cão. Você precisa:
- Investigar a Causa Base: Se a sarna demodécica generalizada aparecer em um cão adulto, você tem que investigar doenças sistêmicas subjacentes (como hipotiroidismo, Hiperadrenocorticismo – Cushing – ou até mesmo câncer) que estejam suprimindo o sistema imunológico.
- Melhorar a Nutrição e o Bem-Estar: Uma dieta de alta qualidade e a suplementação com Ômega-3 podem ajudar a melhorar a saúde da pele e a função imunológica.
- Orientação Genética: Em cães com sarna demodécica generalizada e recorrente, a castração é fortemente recomendada para evitar a transmissão da predisposição genética aos filhotes. Essa condição tem um forte componente hereditário.
O cão com sarna demodécica sempre terá o ácaro Demodex em sua pele. O sucesso do tratamento é manter a população de ácaros em níveis normais através da saúde plena e do uso periódico de acaricidas em cães que têm recidivas frequentes.
🧼 Controle Ambiental e Contágio: A Sarna Sarcóptica
Na sarna sarcóptica, que é altamente contagiosa, o foco é no isolamento e na higiene ambiental.
- Isolamento e Tratamento de Contatos: Todos os cães que tiveram contato com o animal doente devem ser tratados preventivamente, mesmo que não apresentem sintomas (alguns cães são portadores assintomáticos). O animal diagnosticado deve ser isolado até a confirmação da cura.
- Limpeza do Ambiente: Embora o Sarcoptes sobreviva por apenas 20 a 48 horas fora do hospedeiro, o ambiente (caminhas, cobertores, coleiras) pode atuar como um fômite. Instrua o tutor a lavar todas as roupas de cama do cão com água quente e, se possível, usar produtos ambientais acaricidas nas áreas onde o cão permanece.
A prevenção da sarna sarcóptica se resume a evitar o contato com animais desconhecidos e garantir que o cão de contato seja tratado imediatamente.
📊 Comparativo de Opções de Tratamento Sistêmico
Para ilustrar a modernidade no tratamento, vamos comparar os três principais ativos acaricidas sistêmicos que revolucionaram o manejo da sarna:
| Característica | Isoxazolinas (Ex: Fluralaner, Sarolaner) | Moxidectina Tópica (Spot-on) | Lactonas Macrocíclicas Orais (Ex: Ivermectina) |
| Mecanismo de Ação | Sistêmico. Age no sistema nervoso do ácaro após a ingestão de sangue/fluidos teciduais. | Sistêmico/Tópico. Absorvido pela pele, age no sistema nervoso do ácaro. | Sistêmico. Age no sistema nervoso do ácaro. |
| Duração da Proteção | 1 a 3 meses por dose (depende do ativo). | 1 mês por dose. | Diária ou semanal (uso não off-label é menos comum). |
| Eficácia Contra Sarnas | Altíssima para Demodécica e Sarcóptica (protocolo mais rápido). | Alta para Sarcóptica e Otodécica. Boa para Demodécica (exige múltiplas doses). | Eficaz, mas exige cuidado na dosagem. |
| Vantagens-chave | Conveniência e Ação Prolongada. Elimina a necessidade de banhos frequentes. Melhor adesão do tutor. | Proteção de amplo espectro (vermes, dirofilária). Boa opção para cães com dificuldade de ingestão. | Custo geralmente mais baixo. |
| Limitações/Cuidados | Custo mais elevado. Ácaro precisa se alimentar para morrer. | Eficácia pode ser reduzida por banhos. Menos ação de knock-down inicial que o oral. | Risco de neurotoxicidade em raças sensíveis (Collie, etc.) devido ao gene MDR1. Uso off-label exige monitoramento rigoroso. |
| Uso Ideal | Primeira escolha para o tratamento de sarnas, especialmente as generalizadas, pela segurança e eficácia. | Opção complementar ou alternativa, especialmente onde há necessidade de controle de Dirofilária. | Reservado para casos específicos, com cautela e sob rigoroso monitoramento profissional. |
O manejo da sarna exige a sua melhor versão como clínico: rápido no diagnóstico, agressivo no tratamento e atencioso na busca por fatores subjacentes. A cura da sarna não é apenas a eliminação do ácaro; é a restauração da saúde e da paz de espírito do seu paciente e da sua família.
Para mais informações sobre como identificar e tratar a sarna canina, você pode assistir a este vídeo: PASSO A PASSO PARA ELIMINAR A SARNA E A COCEIRA DO CACHORRO COM DESCAMAÇÃO E CAINDO PELO COM CASPA. Este vídeo do YouTube oferece um guia prático sobre os passos para eliminar a sarna e os sintomas associados à coceira e descamação.




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