Tosse dos Canis: É grave? Como tratar?
Ah, a famosa Tosse dos Canis! É um tema que volta e meia aparece na nossa clínica, especialmente depois de feriados, viagens ou períodos de maior aglomeração de cães, como acontece em hotéis e parques. Como seu professor de Veterinária, eu diria que é uma daquelas doenças que, à primeira vista, parecem inofensivas, mas que têm potencial de complicação, especialmente em pacientes mais frágeis.
Vamos desmembrar essa condição, que clinicamente chamamos de Traqueobronquite Infecciosa Canina (TIC), para que você entenda exatamente o que está acontecendo e como devemos abordá-la.
🦠 Tosse dos Canis: É Grave? A Realidade Clínica
A Traqueobronquite Infecciosa Canina é uma doença aguda e altamente contagiosa que afeta as vias aéreas superiores (traqueia e brônquios) dos cães.
A principal causa dessa patologia é uma infecção mista, onde a bactéria Bordetella bronchiseptica e o vírus da parainfluenza canina são os agentes mais comumente envolvidos, mas podemos ter outros vilões como adenovírus canino tipo 2, herpesvírus, coronavírus respiratório e Mycoplasma spp. É um verdadeiro “time de basquete” de patógenos agindo juntos!
O Quadro Clínico Típico
O sintoma que a nomeia é a tosse seca, alta, forte e paroxística (em acessos), que o tutor costuma descrever como se o cão estivesse engasgado com algo ou tentando vomitar (e muitas vezes finaliza com uma ânsia ou expectoração de muco). Essa tosse é tipicamente exacerbada pela excitação, esforço, exercícios ou pela simples pressão no pescoço (como quando se usa uma guia na coleira).
A Questão da Gravidade: Casos Leves vs. Complicações
A boa notícia, meu jovem colega, é que a maioria dos casos da Tosse dos Canis em cães adultos e saudáveis tem um curso autolimitante. Isso significa que, muitas vezes, a doença se resolve sozinha em uma ou duas semanas, mesmo com tratamento de suporte mínimo (repouso e antitussígenos). A tosse pode ser irritante e desconfortável para o animal e para o tutor, mas o risco de vida é baixo.
No entanto, a doença pode ser grave e fatal em pacientes de risco.
- Filhotes e Cães Idosos/Geriátricos: Pacientes jovens com sistema imunológico imaturo e pacientes idosos com imunossenescência ou com comorbidades (como doenças cardíacas ou pulmonares preexistentes) têm um risco muito maior de a infecção evoluir para uma pneumonia bacteriana secundária. E a pneumonia, sim, é grave e potencialmente fatal.
- Imunossupressão: Cães com doenças que comprometem o sistema imunológico (como o uso de imunossupressores ou infecção por cinomose ou parvovirose) também correm alto risco de desenvolver quadros mais severos.
- Infecções por Múltiplos Agentes: Quando há uma infecção por muitos patógenos simultaneamente, a inflamação é mais severa, e o dano à mucosa respiratória é maior, facilitando a colonização bacteriana secundária.
Moral da história: Você nunca deve subestimar a Tosse dos Canis. Deve-se sempre avaliar o paciente individualmente, focar nos sinais de alerta (febre, letargia, perda de apetite, tosse produtiva e úmida) e intervir rapidamente nos casos de risco.
⚕️ Como Tratar a Tosse dos Canis?
O tratamento da Traqueobronquite Infecciosa Canina é focado em três pilares: suporte, modulação da tosse e combate à infecção secundária.
Lembre-se: o diagnóstico é clínico, mas para casos graves, exames como radiografia torácica e, se disponível, painéis moleculares e culturas bacterianas são essenciais.
1. Manejo do Paciente (Repouso e Ambiente)
O primeiro passo é sempre o mais fundamental:
- Repouso Absoluto: Reduza a atividade física do animal ao máximo. O exercício aumenta a frequência respiratória, o que irrita a traqueia e provoca mais acessos de tosse.
- Isolamento: A doença é altamente contagiosa. Você deve orientar o tutor a isolar o cão doente dos outros animais da casa e evitar passeios e contato com outros cães por pelo menos 1 a 2 semanas após o desaparecimento dos sintomas.
- Substituir a Coleira: Evite usar coleiras que exerçam pressão sobre a traqueia. Recomende o uso de guias peitorais (harness) para não provocar a tosse durante os passeios curtos.
- Umidade e Ventilação: A inalação de vapor ou a manutenção do cão em um banheiro com água quente (vapor) por 10 a 15 minutos, duas a três vezes ao dia, pode ajudar a umidificar as vias aéreas e aliviar a irritação. Mantenha o ambiente bem ventilado e limpo.
2. Terapia Medicamentosa
A escolha dos medicamentos dependerá da gravidade do caso.
A. Casos Leves a Moderados (Maioria dos Casos)
Quando o cão está alerta, com apetite preservado e sem sinais de pneumonia, o foco é o conforto:
- Antitussígenos: Estes são cruciais para quebrar o ciclo da tosse. A tosse irrita a traqueia, que causa mais tosse, perpetuando o problema. Usamos medicamentos que suprimem o reflexo da tosse no centro da tosse do sistema nervoso central, como o Dextrometorfano ou a Codeína (com cautela e dose precisa, pois requerem receita e atenção). Você precisa escolher um antitussígeno que reduza a frequência da tosse sem suprimi-la completamente, permitindo que o cão elimine secreções.
- Anti-inflamatórios: Em alguns casos, o uso de anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) pode ser considerado para reduzir a inflamação da traqueia e brônquios, o que alivia a dor e o desconforto. Sempre use AINEs veterinários e jamais medicamentos humanos, devido ao risco de toxicidade.
B. Casos Moderados a Graves (Com Sinais de Complicação)
Se o paciente apresentar febre, letargia, perda de apetite, tosse produtiva (úmida) ou se a radiografia indicar consolidação pulmonar (pneumonia), o tratamento muda:
- Antibioticoterapia: Antibióticos se tornam essenciais para combater a infecção bacteriana secundária, sendo a Bordetella bronchiseptica o alvo principal. A escolha do antibiótico deve ser baseada no agente mais provável e na sua capacidade de penetração no trato respiratório. Opções comuns incluem Doxiciclina, ou, em casos mais graves, Fluoroquinolonas (com cautela em filhotes) ou Azitromicina. O tratamento geralmente dura de 10 a 14 dias, ou mais, dependendo da resposta.
- Broncodilatadores: Se houver broncoespasmo (estreitamento das vias aéreas inferiores), broncodilatadores (como a Teofilina) podem ser usados para abrir as vias aéreas e melhorar a respiração.
- Mucolíticos: Se houver secreção espessa, o uso de mucolíticos pode ajudar a fluidificar o muco, facilitando sua eliminação pela tosse.
- Suporte Hospitalar: Pacientes com pneumonia grave podem necessitar de internação, oxigenioterapia, fluidoterapia intravenosa e nebulização intensiva para garantir a saturação de oxigênio e a recuperação.
🛡️ Prevenção: A Melhor Medicina
Como sempre, prevenir é o melhor caminho. A principal forma de prevenir a Tosse dos Canis é através da vacinação.
A vacina é tipicamente apresentada em duas formas, visando principalmente a Bordetella bronchiseptica e o vírus da Parainfluenza Canina:
- Vacina Intranasal (Injetável): É a mais comum e geralmente induz uma imunidade mais rápida no trato respiratório, onde a infecção ocorre. É a preferida para cães que frequentam creches, pet shops, parques e hotéis.
- Vacina Subcutânea (Injetável): Geralmente incluída na vacina polivalente canina, visa o vírus da Parainfluenza Canina.
Você deve recomendar a vacinação, especialmente com o componente da Bordetella, para todos os cães que têm alto risco de exposição, e garantir que o calendário vacinal do seu paciente esteja sempre atualizado.
Em resumo, a Tosse dos Canis é uma doença muito comum, raramente grave em cães adultos saudáveis, mas com potencial de complicação séria em filhotes, idosos e imunossuprimidos. O tratamento é de suporte, com antitussígenos, e o uso de antibióticos é reservado para casos de infecção bacteriana secundária ou pneumonia.
Você tem mais alguma dúvida sobre a posologia dos antitussígenos ou sobre a escolha do antibiótico ideal para um paciente pediátrico?




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