Hipertireoidismo em Gatos: Sintomas que passam despercebidos
✍️ Hipertireoidismo em Gatos: Sintomas que Passam Despercebidos
Meu jovem, deixe-me ser direto: se você não está ativamente procurando pelo hipertireoidismo em gatos com mais de oito anos, você está falhando com seus pacientes. Essa é a endocrinopatia mais frequente em felinos idosos, e a razão pela qual ela é tão perigosa é sua apresentação insidiosa. O tutor entra na clínica e diz: “Meu gato está comendo como um louco e emagrecendo. Que bom que ele está ativo, ele parece mais novo!” E é aí que mora o perigo. Você, como veterinário, precisa entender que a hiperatividade e o apetite voraz nesse contexto não são sinais de juventude; são o grito de socorro de um metabolismo em descontrole.
O Hipertireoidismo como a endocrinopatia mais comum em felinos.
A tireoide, essa pequena glândula no pescoço do seu paciente, funciona como um acelerador central, regulando a taxa metabólica de quase todos os sistemas orgânicos. No gato hipertireoideo, um tumor funcional (geralmente benigno, um adenoma) nas células foliculares da glândula começa a bombear uma quantidade excessiva de tri-iodotironina (T3) e tiroxina (T4). É como se você estivesse forçando o acelerador de um carro velho a ficar no máximo o tempo todo. O motor (o corpo do gato) trabalha em ritmo frenético, resultando em emagrecimento, taquicardia e, crucialmente, uma sobrecarga destrutiva em órgãos vitais como o coração e os rins. Você precisa dominar essa patofisiologia para explicar o dano sistêmico ao tutor.
Por que a doença é frequentemente subdiagnosticada.
O problema do subdiagnóstico reside na sutileza inicial dos sinais e no viés de observação do tutor. Muitos dos primeiros sintomas, como aumento do apetite (polifagia) e perda de peso, são vistos como positivos ou facilmente explicáveis. O gato pode apenas começar a exigir comida de forma mais vocal, ou ter um leve aumento na ingestão de água (polidipsia). Esses desvios da rotina são graduais. Além disso, o hipertireoidismo pode ser cíclico ou oculto (com T4 total dentro do limite normal), exigindo a repetição do exame ou a análise do T4 livre. Sua responsabilidade é instituir a triagem de T4 total como rotina em qualquer gato geriátrico, mesmo que pareça saudável.
O erro de “normalizar” o emagrecimento ou a hiperatividade em gatos idosos.
A negação do envelhecimento é um grande inimigo do diagnóstico. É muito comum ouvir: “Ah, ele tem 14 anos, é natural que esteja mais magrinho”. Não é natural! Gatos idosos saudáveis tendem a manter uma condição corporal estável. O emagrecimento ou a perda de massa muscular, principalmente sobre os ossos da bacia e coluna, é um sinal de catabolismo acelerado. Da mesma forma, um gato que dormia tranquilamente 18 horas por dia e agora passa as madrugadas perambulando e vocalizando alto não está rejuvenescendo; ele está sofrendo de um sistema nervoso central hiperestimulado pela T4. Seu papel didático é quebrar essa associação errônea entre atividade e saúde em geriatria felina.
II. Etiopatogenia e Fisiologia do Hipertireoidismo Felino
Para tratar, precisamos entender o mecanismo do desastre. O que está acontecendo dentro daquele pequeno nódulo no pescoço do gato?
Entendendo a glândula: o papel do T3 e T4 na economia do gato.
A glândula tireoide utiliza o iodo da dieta para sintetizar T4 (tiroxina) e T3 (tri-iodotironina). O T4 é o principal produto secretado, mas o T3 é o hormônio biologicamente mais ativo, e é produzido primariamente pela conversão do T4 nos tecidos periféricos (fígado, rins). Esses hormônios são vitais; eles controlam a taxa metabólica basal, o desenvolvimento do sistema nervoso, a função cardíaca e a temperatura corporal. No hipertireoidismo, a superprodução de T4 e T3 inunda o corpo, forçando as células a trabalharem mais rápido, aumentando a necessidade de oxigênio e nutrientes, e levando a todos os sinais clínicos que você irá diagnosticar.
A origem do problema: adenoma ou carcinoma?
Felizmente, na imensa maioria dos casos felinos (cerca de 98%), o hipertireoidismo é causado por uma hiperplasia adenomatosa benigna ou um adenoma (um tumor benigno) em uma ou ambas as glândulas. Essas células tumorais se tornam autônomas, ignorando o feedback negativo do hormônio estimulante da tireoide (TSH) da hipófise, e produzem T4 sem parar. Em um pequeno percentual, você encontrará um carcinoma da tireoide (tumor maligno), que é mais raro, mais agressivo e pode metástase para o tórax, mas o prognóstico é similar se tratado precocemente. A diferença entre o benigno e o maligno só pode ser confirmada com a biópsia (histopatologia), embora o carcinoma seja geralmente mais invasivo e firme ao toque.
O conceito de T4 total, T4 livre e o Teste de T3 de Supressão.
Você precisa ser esperto ao interpretar os exames. O T4 total é a principal triagem, medindo o hormônio ligado a proteínas e o hormônio livre no sangue. Se estiver alto, o diagnóstico é fácil. Contudo, em 10% dos casos, o T4 total pode estar normal ou no limite superior, seja porque a doença é inicial, ou porque a doença não tireoidiana concomitante (como diabetes ou doença renal) está suprimindo a T4 (o famoso “eutireoidiano doente”). Nesses casos, o T4 livre (o hormônio não ligado a proteínas) é mais sensível. Se ainda houver dúvida, você pode usar o Teste de Supressão com T3: em um gato normal, a administração de T3 suprime o T4 endógeno; em um gato hipertireoideo, o nódulo autônomo ignora esse feedback e o T4 continua alto. Use suas ferramentas de forma inteligente, meu aluno.
III. Os Sintomas que Passam Despercebidos: O Olhar de Detetive
Agora, vamos ao cerne do nosso estudo: os sinais que a maioria ignora. Estes são os detalhes que separam um clínico geral de um especialista em medicina felina.
Aparência e Comportamento: Sinais de Alerta Subtis
O gato hipertireoideo não é apenas magro e faminto; ele está mudando de forma sistêmica.
O Gato Agressivo ou Ansioso: Mudanças Comportamentais.
A superestimulação adrenérgica induzida pela T4 pode transformar o temperamento do seu paciente. Um gato que sempre foi dócil pode se tornar irritadiço, ansioso, ou até agressivo. O aumento da vocalização, especialmente à noite (o famoso yowling ou grito noturno), é um sinal de alerta clássico, muitas vezes confundido com demência senil. Você precisa perguntar ao tutor: “Seu gato está mais barulhento? Ele está reagindo de forma mais intensa ao toque? Ele está inquieto no colo?”. Essas perguntas abrem a porta para o diagnóstico comportamental da endocrinopatia.
Alterações na Pelagem e Unhas: O Cuidado Pessoal em Declínio.
O hormônio tireoidiano em excesso afeta o ciclo do pelo e a saúde da pele. Você pode notar uma pelagem oleosa, emaranhada, com aspecto pobre (poor coat quality), especialmente sobre o dorso. Às vezes, o tutor relata queda excessiva de pelo (alopecia) devido a um grooming (limpeza) exagerado por ansiedade. Além disso, a doença pode causar um crescimento acelerado e, muitas vezes, deformado das unhas (onicogrifose). Quando você vê um gato idoso com a pelagem desgrenhada e unhas longas demais, o hipertireoidismo deve estar no topo do seu diagnóstico diferencial, junto com a artrite e a diabetes.
A Fraqueza e Letargia Aparentes (o Hipertireoidismo Apatético).
Este é o sintoma mais insidioso e perigoso de se ignorar. Em cerca de 10% dos casos, o gato hipertireoideo não é hiperativo e magro, mas sim apático, letárgico, fraco e com pouco apetite. O Hipertireoidismo Apatético ou Mascarado ocorre quando a doença, em seu estágio final ou devido a outras doenças concomitantes, causa falência multissistêmica. O paciente está tão doente que a exaustão supera a hiperatividade. Se você não medir o T4 em um gato idoso magro e apático, você pode erroneamente diagnosticar anorexia ou doença renal e perder a chance de tratamento para a causa primária. O T4, nesses casos, pode ser apenas marginalmente elevado, exigindo o T4 livre.
Os Sinais Cardíacos e Renais: O Risco Velado
O coração e o rim são os alvos mais vulneráveis do excesso de T4. Você não pode tratar um sem considerar o outro.
Taquicardia e Sopro: O Coração Sob Estresse.
A T4 em excesso aumenta a sensibilidade do coração às catecolaminas (adrenalina), forçando-o a bombear mais rápido e mais forte (taquicardia). Isso leva à Cardiomiopatia Hipertrófica Secundária (CMH), onde o músculo cardíaco se torna espessado. Ao auscultar, você frequentemente encontrará taquicardia (frequência cardíaca acima de 200 bpm em repouso) e, em muitos casos, um sopro cardíaco ou ritmo de galope. O ecocardiograma pode confirmar a CMH. Você precisa estabilizar a função cardíaca antes de qualquer cirurgia e tratar o hipertireoidismo para reverter ou controlar a progressão dessa cardiomiopatia.
A Pressão Alta (Hipertensão Sistêmica): Um Perigo Silencioso.
A T4 é um potente vasoconstritor indireto. A hipertensão sistêmica é uma complicação grave e muito comum (cerca de 25% dos casos). E o que a hipertensão faz? Ela destrói os olhos e os rins. Você precisa incluir a aferição da pressão arterial em todo gato geriátrico. Uma pressão acima de 160 mmHg é motivo de preocupação. Uma pressão descontrolada pode levar à cegueira súbita por descolamento de retina (uma emergência retiniana que o tutor notará primeiro) ou acelerar a lesão renal crônica. A pressão deve ser tratada imediatamente com anti-hipertensivos, como o anlodipino.
O Mascaramento da Insuficiência Renal Crônica (IRC).
Esta é a armadilha clínica mais traiçoeira. O excesso de T4 aumenta o fluxo sanguíneo renal (taxa de filtração glomerular), artificialmente “lavando” o sangue. Isso significa que, enquanto o gato está hipertireoideo, seus exames de creatinina e ureia podem parecer normais, mascarando uma Insuficiência Renal Crônica subjacente. Quando você trata o hipertireoidismo e a T4 volta ao normal, o fluxo renal diminui, e a IRC é subitamente desmascarada (a creatinina e a ureia sobem). Essa dualidade exige que você eduque o tutor sobre o dilema: tratar o hipertireoidismo é essencial, mas pode revelar uma IRC que precisará ser imediatamente manejada.
IV. Protocolo Diagnóstico na Rotina Clínica
Como um professor de semiologia e diagnóstico, eu exijo que você seja metódico. O diagnóstico não é um chute; é um processo lógico e bem fundamentado.
O Exame Físico Detalhado: Palpando a Tireoide e Pesquisando o “Nó”
O diagnóstico começa com suas mãos e seu estetoscópio, antes de qualquer tubo de sangue.
A Técnica de Palpação da Tireoide Felina (O “Nódulo de Tireoide”).
Você deve saber onde procurar. O gato deve estar em estação ou em decúbito esternal confortável. Posicione seus polegares e indicadores lateralmente à traqueia, na porção cranial do pescoço, logo abaixo da laringe. Você deve deslizar seus dedos caudalmente, sentindo a traqueia sob seus dedos. Em um gato normal, a glândula tireoide é impalpável. No gato hipertireoideo, você sentirá um pequeno nódulo firme e móvel (o adenoma). Não precisa ser grande. Palpar um nódulo é altamente sugestivo de hipertireoidismo. A ausência da palpação, contudo, não descarta a doença, especialmente se a lesão for ectópica (localizada em outro lugar, como dentro do tórax).
A Avaliação da Condição Corporal e da Massa Muscular.
Avalie objetivamente. A Condição Corporal (CC) geralmente está baixa (CC de 3/9 ou menos). Mais importante, você deve avaliar a perda de massa muscular (MM), que é um sinal de catabolismo proteico induzido pela T4. Palpe a musculatura sobre a coluna lombar e as laterais da pélvis (osso ilíaco). A perda de MM é um marcador mais sensível de caquexia do que a simples perda de peso. Documente isso com o tutor, usando uma escala de 1 a 4 para a MM (normal, leve, moderada, grave).
Medição da Pressão Arterial: Um Exame Essencial.
Não negligencie a pressão arterial (PA). Use o método de Doppler ou oscilométrico (devidamente validado para gatos). A medição deve ser feita em um ambiente tranquilo e idealmente por um período de adaptação (white coat effect). O gato deve estar relaxado. Uma PA persistentemente acima de 160 mmHg, em conjunto com sinais clínicos de T4 alta, confirma a complicação e exige tratamento imediato. Você está salvando o rim e a visão do seu paciente ao fazer esse exame de rotina.
Diagnóstico Laboratorial e de Imagem: A Confirmação Científica
A patologia clínica é quem dá o veredito final.
A Leitura Crítica do T4 Total e T4 Livre.
O T4 total é a pedra angular do diagnóstico. Se estiver elevado (acima da faixa de referência), o diagnóstico está confirmado. Se for um caso suspeito e o T4 total for normal, o T4 livre por diálise de equilíbrio é o próximo passo, pois tem maior sensibilidade (menor taxa de falsos negativos). Lembre-se, um T4 total normal ou baixo em um gato com sinais clássicos deve levar você a questionar a presença de uma Doença Não Tireoidiana (DNT) suprimindo o T4, e o T4 livre ajudará a diferenciar.
Hemograma e Bioquímico: Alterações Hepáticas e Enzimáticas.
Embora não sejam diagnósticos específicos, os exames bioquímicos frequentemente mostram elevações nas enzimas hepáticas, especialmente ALT (alanina aminotransferase) e FA (fosfatase alcalina). Isso ocorre devido a um aumento da atividade metabólica e, em alguns casos, por hepatopatia gordurosa secundária. O hemograma pode mostrar eritrocitose (aumento dos glóbulos vermelhos) devido ao aumento da produção de eritropoietina, ou um discreto aumento no volume corpuscular médio (VCM). Use esses achados para montar o quadro sistêmico da doença e descartar outras patologias.
O Uso da Cintilografia de Iodo: O Padrão Ouro para a Localização.
A cintilografia de Iodo-131 é considerada o padrão ouro, especialmente se você está planejando Iodo radioativo ou se a doença é atípica. O Iodo radioativo é administrado e as imagens de gama-câmera capturam a radiação emitida pela glândula. O tecido tireoidiano hiperfuncional capta muito mais Iodo do que o tecido normal, permitindo que você visualize a localização precisa do nódulo (unilateral, bilateral, ou ectópico) e confirme a funcionalidade do tumor. É uma ferramenta essencial em grandes centros de referência.
V. Opções de Tratamento e o Manejo do Paciente Crônico
O tratamento do hipertireoidismo é um dos mais gratificantes na medicina felina, pois a melhora clínica do paciente é, na maioria das vezes, espetacular. Você tem três rotas principais.
Abordagem Farmacológica: O Controle da Tempestade Hormonal
A medicação é o ponto de partida para a maioria dos pacientes.
O Uso de Metimazol: Dosagem, Efeitos Colaterais e Monitoramento Hematológico.
O Metimazol (ou tiamazol) é a droga de escolha. Ele inibe a síntese de T4 e T3 ao bloquear a organificação do iodo na glândula. A dosagem é individualizada e começa geralmente baixa, reajustando-se com base na resposta do T4 sérico (que você deve reavaliar após 2 a 3 semanas). O Metimazol é ótimo, mas não é isento de falhas. Você precisa alertar o tutor sobre os efeitos colaterais mais comuns: vômitos, anorexia e letargia. O mais perigoso é a trombocitopenia e, mais raramente, a agranulocitose (diminuição grave de células brancas). Por isso, o monitoramento hematológico (hemograma completo) é crucial nas primeiras semanas de tratamento.
A Importância da Dosagem Individualizada.
Nunca use uma dose fixa de Metimazol para todos os gatos. A titulação da dose é vital. Você quer levar o T4 total para o meio ou limite inferior da faixa de referência (eutireoidismo), mas sem causar hipotireoidismo iatrogênico. Lembre-se, o objetivo é aliviar os sintomas e proteger os órgãos-alvo, não derrubar o T4 de forma abrupta. Um controle preciso minimiza os efeitos colaterais e a chance de desmascarar a Insuficiência Renal Crônica (IRC).
O Tratamento dos Efeitos Colaterais Gastrointestinais.
Se o gato apresentar vômitos ou anorexia, você não pode simplesmente parar a medicação. Você pode tentar mudar a apresentação do Metimazol (da pílula para o gel transdérmico aplicado na orelha) ou dividir a dose em três vezes ao dia para reduzir a irritação gástrica. Se a via transdérmica for utilizada, reforce que ela é absorvida de forma diferente, e a dose pode precisar ser ajustada. A sua gestão de efeitos adversos é o que garante a adesão do tutor ao tratamento.
Iodo Radioativo e Cirurgia: As Terapias Curativas
Se o tutor busca uma solução definitiva, estas são as suas opções.
Iodo-131: A Cura com o Desafio da Isolação.
O Iodo Radioativo (I-131) é a cura ideal para a maioria dos gatos hipertireoideos. O I-131 é injetado, é absorvido pelas células tireoidianas hiperativas (que captam o Iodo avidamente) e a radiação beta destrói o tecido doente, poupando o tecido normal (menos funcional). A taxa de cura é superior a 95% com uma única dose. O desafio principal é a legislação: o gato precisa ficar internado em uma instalação especializada por vários dias (em quarentena) até que os níveis de radiação caiam para um nível seguro.
Tireoidectomia: Técnica Cirúrgica e a Importância da Paratireoide.
A Tireoidectomia (remoção cirúrgica da glândula) é eficaz, mas possui riscos. A técnica deve ser impecável, pois a glândula paratireoide, responsável pelo controle do cálcio, está intimamente ligada à tireoide. O risco é a remoção acidental da paratireoide, levando a uma queda perigosa nos níveis de cálcio (hipocalcemia) no pós-operatório imediato, o que causa tremores e convulsões. Se você for remover ambas as glândulas (bilateral), deve considerar o risco e a autotransplantação de tecido paratireoidiano. O tratamento cirúrgico exige um anestesista experiente e monitoramento intensivo do cálcio.
Cuidados Pós-Tireoidectomia: Risco de Hipotireoidismo e Hipocalcemia.
No pós-operatório, o risco de hipocalcemia é a prioridade zero e exige monitoramento sérico do cálcio nas primeiras 72 horas. Se as duas glândulas forem removidas, o gato inevitavelmente desenvolverá hipotireoidismo, necessitando de suplementação diária com L-Tiroxina. Você deve estar preparado para essa transição, garantindo que o tutor entenda a nova rotina medicamentosa.
VI. Manejo das Complicações e Qualidade de Vida (QV) a Longo Prazo
Seu trabalho não termina quando o T4 normaliza. O verdadeiro desafio é o manejo das sequelas do hipertireoidismo.
Gerenciando a Cardiopatia e Hipertensão Associadas
O coração precisa de atenção máxima, pois ele foi sobrecarregado por meses ou anos.
Uso de Betabloqueadores e Inibidores da ECA.
A taquicardia e a hipertensão secundárias podem ser tratadas antes e durante a terapia anti-tireoidiana. Betabloqueadores (como o atenolol) ajudam a proteger o coração da superestimulação adrenérgica. Se houver falha cardíaca congestiva ou proteinúria (perda de proteína pela urina) associada à hipertensão, os Inibidores da Enzima Conversora de Angiotensina (Inibidores da ECA) como o benazepril podem ser adicionados para diminuir a pressão e proteger o rim. Sua terapia é sempre multimodal, meu jovem.
Dieta Cardioprotetora e Monitoramento Ecocardiográfico.
O gato deve receber uma dieta que minimize a sobrecarga cardíaca (moderação de sódio). Além disso, o monitoramento ecocardiográfico é crucial para avaliar a regressão da cardiomiopatia. Felizmente, a CMH induzida pela T4 é muitas vezes reversível após o controle do hipertireoidismo. Você deve acompanhar o coração por até seis meses após a normalização do T4 para garantir que a arquitetura cardíaca volte ao normal.
A Perigosa Interação entre T4, Coração e a Anestesia.
Gatos hipertireoideos são pacientes anestésicos de alto risco. A taquicardia e a hiperexcitabilidade adrenérgica os predispõem a arritmias e colapso cardiovascular sob estresse anestésico. Se a cirurgia for necessária (tireoidectomia ou outra), você deve controlar o T4 por pelo menos 4 a 6 semanas antes da intervenção. Caso contrário, a chance de um evento fatal na mesa de cirurgia aumenta exponencialmente.
O Complexo Renal: Desmascarando a Insuficiência Renal Crônica
Este é um paradoxo que você deve dominar para salvar o rim do seu paciente.
A Relação Inversa T4 e Creatinina: O “Efeito Mascaramento”.
Já falamos sobre isso, mas vale a pena reforçar. O alto T4 mascara a IRC. O fluxo sanguíneo renal aumentado pela T4 faz com que a creatinina pareça normal. Assim que você trata o hipertireoidismo, o T4 cai, o fluxo renal diminui, e a creatnina sobe, revelando a IRC. Você precisa alertar o tutor que essa subida não é uma falha no tratamento da tireoide, mas sim a revelação da doença renal que estava sendo escondida.
O Risco de Desencadear ou Piorar a IRC Pós-Tratamento.
A queda na taxa de filtração glomerular pode descompensar um rim já comprometido. Por isso, a titulação da dose de Metimazol é vital para uma transição suave. Se a função renal piorar demais após o início do tratamento, você precisará encontrar um sweet spot (ponto ideal) onde o gato não está sintomático pelo T4, mas o T4 ainda está marginalmente alto o suficiente para manter a perfusão renal. É um equilíbrio clínico delicado.
A Dieta de Restrição de Iodo: Uma Opção de Manejo Terapêutico.
Uma abordagem terapêutica mais recente é a Dieta de Restrição de Iodo. Como o iodo é essencial para a produção de T4 e T3, a restrição drástica do iodo na dieta (para níveis muito baixos) pode controlar a doença em alguns casos. Essa dieta não é adequada para todos (gatos que dividem a casa com outros felinos ou que comem petiscos não-regulamentados), mas é uma opção atraente para tutores que não querem a medicação ou Iodo radioativo. Lembre-se, porém, que o monitoramento do T4 continua sendo essencial.
VII. Quadro Comparativo de Tratamentos
Para finalizar esta seção de forma didática, comparamos as três abordagens terapêuticas principais para o Hipertireoidismo Felino, ressaltando os prós e contras que você precisa discutir com o tutor.
| Modalidade de Tratamento | Mecanismo de Ação | Vantagens | Desvantagens | Indicação Clínica Principal |
| Metimazol Oral / Transdérmico | Inibição da síntese de T4 e T3 na glândula. | Reversível; permite testar a função renal (desmascaramento de IRC); baixo custo inicial. | Não é curativo (requer tratamento vitalício); necessidade de monitoramento laboratorial frequente; risco de efeitos colaterais hematológicos e gastrointestinais. | Manejo inicial; pacientes com IRC concomitante (para ajuste fino da dose); gatos que não podem ser anestesiados. |
| Iodo Radioativo (I-131) | Destruição seletiva do tecido tireoidiano hiperfuncional por radiação beta. | Curativo em >95% dos casos (solução definitiva); tratamento único; não invasivo. | Requer internação prolongada em instalação especializada (quarentena); custo inicial elevado; risco de hipotireoidismo iatrogênico. | Gatos saudáveis (sem IRC grave); tutores que buscam a cura e não querem a rotina medicamentosa. |
| Tireoidectomia Cirúrgica | Remoção física do nódulo tireoidiano. | Potencialmente curativa; resultado imediato. | Alto risco anestésico (especialmente com cardiomiopatia); risco de hipocalcemia e lesão da paratireoide; doença ectópica pode não ser removida. | Lesões unilaterais e bem localizadas; gatos que não toleram metimazol e I-131 indisponível. |
| Dieta de Restrição de Iodo | Diminuição da matéria-prima (iodo) para a síntese hormonal. | Não invasiva; alternativa para tutores avessos a medicamentos ou I-131. | Não é adequada para casas com múltiplos gatos ou gatos que comem fora; eficácia pode variar; requer adesão 100% à dieta. | Gatos unicamente alimentados com essa dieta em casa e sem outras fontes de iodo. |
VIII. Conclusão: O Compromisso com a Medicina Felina
O Hipertireoidismo em Gatos é uma obra-prima da patologia por sua capacidade de mimetizar o envelhecimento e mascarar outras doenças graves. Seu sucesso no tratamento desta endocrinopatia dependerá da sua capacidade de ir além dos sintomas óbvios. Você deve ser o veterinário que ouve o tutor, palpa o nódulo impalpável, mede a pressão arterial e usa o T4 livre quando o T4 total não convence. Tratar o hipertireoidismo é um dos grandes triunfos da medicina felina, pois devolvemos anos de qualidade de vida a um paciente que estava sendo lentamente consumido.
Lembre-se da lição principal: gato idoso não fica hiperativo e magro por “sorte”. Ele está doente. Seja o profissional que diagnostica essa doença a tempo de salvar o coração e proteger os rins.
Você tem alguma dúvida sobre a diferença entre o manejo farmacológico e a dieta de restrição de Iodo?




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