×

Displasia Coxofemoral: O que é e como afeta seu cão

Displasia Coxofemoral: O que é e como afeta seu cão

Displasia Coxofemoral: O que é e como afeta seu cão

🦴 Displasia Coxofemoral: Desvendando a “Máquina Quebrada” do Quadril Canino

E aí, turma da Ortopedia e Clínica! Vamos falar de um tema que assombra criadores e tutores de cães de grande porte: a Displasia Coxofemoral (DCF). Eu costumo dizer que a DCF é como ter uma máquina perfeita (o seu cão) com uma falha de engenharia na principal junta motriz. Não é uma doença que surge do nada, mas sim uma anormalidade no desenvolvimento da articulação do quadril, a chamada articulação coxofemoral. É aqui que o fêmur (osso da coxa) se encaixa na bacia (acetábulo).

O ideal, vocês sabem, é que essa articulação seja um encaixe perfeito, uma “esfera” (cabeça do fêmur) dentro de um “copo” (acetábulo). Na displasia, esse encaixe é frouxo ou incongruente. A cabeça do fêmur não se acomoda de forma estável no acetábulo, resultando em frouxidão articular. Essa instabilidade, que começa na fase de crescimento, leva a um atrito anormal. Pense em duas peças de metal que não se encaixam direito, raspando uma na outra a cada movimento.

Esse atrito progressivo desencadeia uma reação em cadeia: primeiro, o desgaste da cartilagem (o amortecedor da articulação); depois, a inflamação crônica; e, por fim, a formação de osteófitos (bicos de papagaio) e a osteoartrite (artrose), que é a doença articular degenerativa que realmente causa a dor e a limitação de movimento. É crucial entender que a displasia é a causa primária (a má-formação), e a artrose é a consequência devastadora. Os cães não nascem com a doença; eles nascem com a predisposição genética e a desenvolvem enquanto crescem, geralmente antes dos 18 meses. Seu papel é identificar essa falha cedo para retardar a progressão da artrose.


🧬 A Origem da Falha: Genética, Ambiente e Fatores de Risco

A Displasia Coxofemoral é o clássico exemplo de uma doença multifatorial e poligênica. Isso significa que a sua ocorrência não depende de um único fator, mas sim da combinação de uma predisposição genética com fatores ambientais que atuam como “aceleradores” do processo.

🔬 O Peso da Herança: A Genética Inegociável

Não se iluda: o fator mais importante na displasia é a genética. É uma doença hereditária. Se um cão provém de pais (ou linhagens) que têm displasia, a chance de ele desenvolver a condição é significativamente alta. Raças de grande e gigante porte são as mais predispostas, como Pastor Alemão, Labrador Retriever, Golden Retriever, Rottweiler, Dogue Alemão e São Bernardo. A seleção genética incorreta é a principal culpada por perpetuar a doença nas populações caninas.

O problema não está apenas no tamanho, mas na taxa de crescimento acelerado. Esses cães crescem muito rápido, e se os componentes do quadril (cabeça do fêmur e acetábulo) não se desenvolvem em harmonia e velocidade, a frouxidão articular se manifesta. Por isso, a radiografia de controle e a certificação da saúde do quadril dos pais e avós (através de programas como o Orthopedic Foundation for Animals – OFA ou PennHip) são os pilares da prevenção. Você precisa ser categórico com criadores: cães displásicos ou portadores de genes de displasia não devem ser usados na reprodução.

Mesmo que a genética seja o motor inicial, não se trata de determinismo absoluto. Nem todo cão com a predisposição genética desenvolverá a doença clinicamente grave. O que nos leva ao segundo ponto: os fatores ambientais decidem a gravidade e a idade de manifestação.

🏋️‍♂️ Fatores Ambientais: O Estresse Mecânico e a Dieta

Se a genética dá o “start”, o ambiente pisa no acelerador. Existem três fatores ambientais que você tem controle e que podem agravar ou acelerar a DCF em um cão predisposto:

  1. Ganho de Peso Excessivo (Obesidade): O excesso de peso corporal impõe uma carga mecânica brutal sobre a articulação já frouxa ou incongruente. Quanto mais peso, maior o estresse, maior o atrito e mais rápida a progressão da osteoartrite. Controlar o peso é o tratamento conservador número um na DCF.
  2. Exercício de Alto Impacto: O filhote de raça grande ou gigante precisa de exercício moderado e controlado, nunca de alto impacto (pular de lugares altos, subir e descer escadas descontroladamente, correr demais em superfícies duras). O excesso de esforço nos primeiros meses de vida agrava a frouxidão articular em um período crítico de desenvolvimento ósseo.
  3. Dieta Inadequada: Uma dieta com excesso de energia ou cálcio durante o crescimento acelerado pode levar ao crescimento ósseo desequilibrado, agravando a discrepância de desenvolvimento entre a cabeça do fêmur e o acetábulo. É fundamental usar ração de filhotes de raças grandes e gigantes (que têm o balanço calórico e mineral ajustado) até que o animal complete a fase de crescimento.

Você tem que orientar o tutor a humanizar a rotina do filhote. Ele não é um atleta olímpico; ele é uma estrutura em desenvolvimento. Modere a atividade e mantenha a magreza para proteger as articulações.


📉 Sinais Clínicos: Reconhecendo a Dor e a Limitação

Os sinais clínicos da Displasia Coxofemoral podem variar drasticamente, dependendo da idade do cão e do grau de progressão da artrose. A doença tem duas apresentações clássicas: no animal jovem (fase aguda de instabilidade) e no animal adulto/sênior (fase crônica de artrose).

🚶‍♀️ Alterações na Marcha e Postura: Os Sinais Iniciais

No animal jovem (4 a 12 meses), os sintomas são geralmente associados à frouxidão e instabilidade articular. O cão pode apresentar:

  1. Claudicação Intermitente: O cão mancam de forma sutil, que pode vir e ir, especialmente após exercícios ou ao se levantar após o descanso.
  2. Intolerância ao Exercício: Ele se cansa rapidamente, diminui o interesse em brincadeiras e passeios.
  3. “Andar de Coelho” (Bunny Hop): O cão usa os dois membros pélvicos simultaneamente para correr, como um coelho, na tentativa de evitar o movimento doloroso de cada articulação separadamente.
  4. Dificuldade para Se Levantar: Demora ou hesita ao sair da posição deitada ou sentada.

O tutor deve ser incentivado a observar o cão quando ele não sabe que está sendo observado. É aí que a dor se manifesta de forma mais natural. A atrofia muscular dos membros pélvicos é outro sinal importante, pois o cão, subconscientemente, passa a usar menos o quadril para se mover, deslocando o peso para os membros torácicos (dianteiros).

👵 Sinais Crônicos e Artrose Estabelecida: A Dor Constante

No animal adulto ou sênior, os sintomas são dominados pela dor crônica e rigidez causadas pela osteoartrite (artrose) já instalada, que é a inflamação e degeneração permanente da articulação.

  1. Dor e Rigidez Matinal: O cão demonstra dificuldade extrema para se levantar pela manhã ou após longos períodos de descanso, com rigidez visível.
  2. Sentar de Lado (Sitting Aside): O cão não consegue sentar-se de forma simétrica e correta, inclinando-se para um lado ou colocando as pernas para fora, para evitar flexionar a articulação dolorida.
  3. Claudicação Constante e Progressiva: O mancar se torna permanente e piora com o tempo e com o frio.
  4. Hipersensibilidade ao Toque: O cão pode vocalizar, gemer ou se mostrar irritado quando você ou o tutor manipulam a região do quadril.

Muitas vezes, o tutor só procura ajuda quando o cão já está na fase crônica. A dor limita a vida do animal, que perde peso, perde massa muscular e, muitas vezes, é diagnosticado erroneamente com “velhice”. É seu dever excluir a DCF antes de aceitar que a dor é apenas o avanço da idade.


diagnosticando a DCF: Da Palpação à Radiografia

O diagnóstico da Displasia Coxofemoral é um processo que envolve o exame físico ortopédico, testes de frouxidão articular e, invariavelmente, a confirmação radiográfica.

✋ Exame Físico e Testes de Frouxidão Articular

Durante o exame físico, você avaliará a amplitude de movimento do quadril, a dor à palpação profunda e a atrofia muscular. Os testes de frouxidão articular são cruciais, especialmente em cães jovens (4 a 12 meses):

  1. Teste de Ortolani: Este teste, que requer sedação para o relaxamento muscular, busca detectar o clique audível ou palpável que ocorre quando a cabeça do fêmur subluxada (parcialmente deslocada) é forçada de volta ao acetábulo. Um sinal de Ortolani positivo é um forte indicador de frouxidão articular.
  2. Teste de Bardens: Outro teste de estabilidade que avalia a facilidade de deslocar lateralmente a cabeça femoral do acetábulo.

A realização desses testes sob sedação é essencial para eliminar a resistência muscular do cão, garantindo um resultado confiável. A frouxidão articular é o que indica a instabilidade e a displasia em fase inicial.

🖼️ O Padrão Ouro: O Exame Radiográfico

A confirmação definitiva da DCF é feita através do exame radiográfico (raio-x). O cão deve estar sob sedação ou anestesia para garantir o posicionamento ideal e a máxima relaxamento muscular, essenciais para a avaliação da articulação.

Os métodos radiográficos mais comuns incluem:

  • Projeção Ventrodorsal Estendida: A técnica mais tradicional, onde o cão é posicionado de costas com os membros pélvicos estendidos e paralelos. Ela avalia o grau de subluxação e a presença de osteoartrite. É a técnica usada para a classificação da DCF (Graus A a E).
  • Método PennHip: Uma técnica mais sensível, que avalia a laxidez (frouxidão) articular em milímetros através de três projeções. Ele pode ser usado mais cedo (a partir de 4 meses de idade) e fornece uma estimativa quantitativa da predisposição do cão à DCF.

O diagnóstico radiográfico não apenas confirma a doença, mas também classifica o seu grau de severidade, o que é fundamental para definir o plano de tratamento (conservador ou cirúrgico).


⚕️ Manejo e Tratamento: O Caminho para a Qualidade de Vida

A má notícia é: a displasia coxofemoral não tem cura. A boa notícia é: ela pode ser controlada de forma muito eficaz. O tratamento visa reduzir a dor, retardar a progressão da artrose e melhorar a função articular. A escolha é entre o manejo conservador (não cirúrgico) e a intervenção cirúrgica.

🧘‍♀️ Manejo Conservador: Peso, Exercício e Nutracêuticos

O tratamento conservador é a primeira linha de defesa e é essencial mesmo quando a cirurgia é indicada. Ele se concentra em três pilares:

  1. Controle Rigoroso do Peso: Este é o fator de maior impacto na qualidade de vida. Um cão magro e com DCF sente muito menos dor do que um cão obeso e com o mesmo grau de displasia. A meta é mantê-lo magro.
  2. Modificação do Exercício: O exercício deve ser moderado e controlado. Troque as corridas de alto impacto por natação ou caminhadas em esteira aquática (hidroterapia). A água suporta o peso do animal, permitindo que ele fortaleça a musculatura sem estressar as articulações.
  3. Farmacologia e Nutracêuticos: O manejo da dor é feito com analgésicos e anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) específicos para cães, usados sob prescrição. Os nutracêuticos (suplementos articulares como glicosamina, condroitina e ômega-3) são cruciais para fornecer os “tijolos” necessários à cartilagem e para reduzir a inflamação, agindo como um tratamento de base contínuo.

A fisioterapia (incluindo acupuntura e laserterapia) é um tratamento coadjuvante de altíssima eficácia, fortalecendo a musculatura periarticular, o que cria um “suporte natural” para a articulação frouxa, e aliviando a dor crônica.

🔪 Opções Cirúrgicas: Reparando e Substituindo

A cirurgia é considerada quando o manejo conservador falha, ou em casos de displasia grave em animais jovens, visando restaurar a estabilidade ou eliminar a articulação dolorosa.

  1. Osteotomia Pélvica Tripla (OPT): Indicada para cães jovens (antes de 10 meses) com frouxidão articular grave, mas sem artrose estabelecida. O procedimento envolve cortar e girar os ossos da bacia para melhorar o encaixe da cabeça femoral no acetábulo, estabilizando a articulação.
  2. Substituição Total do Quadril (STQ): É o padrão ouro para artrose avançada e dor crônica incontrolável em cães adultos e sêniores. A cabeça do fêmur e o acetábulo são substituídos por implantes de metal e plástico, resultando em um quadril protético e funcional, com alívio quase imediato e duradouro da dor.
  3. Osteotomia da Cabeça e Colo do Fêmur (Colocefalectomia): Uma cirurgia de salvamento, geralmente para cães pequenos ou cães maiores onde a STQ não é viável por custo ou por complicações prévias. Remove-se a cabeça e o colo do fêmur, e o músculo da coxa forma uma “falsa articulação” (pseudoartrose).

Você, como clínico, deve ser o conselheiro do tutor, avaliando o grau da doença, a idade do cão, a condição financeira e, o mais importante, o prognóstico de qualidade de vida após a intervenção.


🔄 Monitoramento e Acompanhamento: Uma Condição Crônica

A Displasia Coxofemoral é uma condição crônica e progressiva. O manejo é um compromisso de longo prazo entre você, o tutor e o fisioterapeuta.

🛑 Prevenção da Recidiva e Progressão

Mesmo após a cirurgia ou com um manejo conservador bem-sucedido, o monitoramento contínuo é obrigatório. Você deve reforçar a importância de:

  1. Exames Veterinários Semestrais: Para reavaliar o peso, a marcha, o nível de dor e o uso dos membros.
  2. Radiografias de Acompanhamento: Anualmente, para monitorar a progressão da osteoartrite e o estado da articulação.
  3. Ajustes na Medicação: A dor é cíclica. A dose e o tipo de AINEs e analgésicos precisam ser ajustados conforme a necessidade (por exemplo, em dias mais frios ou após atividade intensa).

Você deve atuar como um treinador de reabilitação, incentivando o tutor a manter a rotina de exercícios leves e a disciplina no controle do peso, que é o pilar mais frágil e, ao mesmo tempo, o mais poderoso do tratamento.

🏡 Adaptação do Ambiente Doméstico: Segurança no Lar

O ambiente em que o cão vive pode ser um acelerador de dor. Você precisa humanizar a resposta sugerindo ajustes práticos no lar:

  1. Tapetes Antiderrapantes: Colocar tapetes em pisos lisos (azulejo, porcelanato) é vital para evitar que o cão escorregue e sofra o estresse por cisalhamento na articulação dolorida.
  2. Rampas de Acesso: Instalar rampas para que o cão suba em camas, sofás ou no carro, eliminando a necessidade de saltos de alto impacto.
  3. Caminhas Ortopédicas: Oferecer camas que suportem o corpo do cão de forma homogênea, aliviando a pressão sobre os quadris durante o descanso.

Esses pequenos ajustes diários podem reduzir a dor e a inflamação de forma significativa.


💊 Quadro Comparativo de Nutracêuticos Articulares

Os nutracêuticos são a base do tratamento contínuo, fornecendo suporte para a cartilagem e combatendo a inflamação de forma natural.

CaracterísticaGlicosamina e CondroitinaÔmega-3 (Ácidos Graxos Poli-insaturados)Colágeno Hidrolisado Tipo II
Mecanismo PrincipalCondroprotetor. Fornece os blocos de construção para a regeneração da cartilagem e do líquido sinovial.Anti-inflamatório. Reduz a inflamação articular (por inibição de eicosanoides pró-inflamatórios).Estrutural. Oferece o substrato para a regeneração de tecidos cartilaginosos.
Composição TípicaSulfato de Glicosamina e Sulfato de Condroitina.Óleo de peixe (rico em EPA e DHA).Proteína hidrolisada, com foco em colágeno tipo II.
Eficácia na DCFRedução da dor e aumento da mobilidade. Ação lenta (requer uso contínuo por meses).Fundamental no manejo da dor crônica, substituindo AINEs em casos leves.Melhora da elasticidade e resistência da cartilagem.
Vantagens-chaveSeguro, sem efeitos colaterais significativos. Ação na estrutura articular.Ação anti-inflamatória natural. Benefícios para pele, pelo e coração.Fácil absorção. Atua diretamente na matriz cartilaginosa.
Limitações/CuidadosNão é um analgésico de alívio rápido. Necessidade de dosagem alta.O produto deve ter alta concentração de EPA/DHA. Alguns cães podem não tolerar o sabor.A eficácia real na reconstrução de cartilagem degenerada é um tema de pesquisa contínua.
Uso IdealTratamento de base diário para manutenção da saúde articular e prevenção da progressão da artrose.Uso diário obrigatório como suporte anti-inflamatório em qualquer fase da DCF.Suplementação complementar, especialmente em protocolos de reabilitação.

🎓 Olhar de Professor: O Compromisso com a Educação Genética

Finalizando nossa discussão, o maior legado que você pode deixar como profissional é a educação genética. A Displasia Coxofemoral é uma falha que a nossa ciência já pode evitar.

Você tem a responsabilidade ética de desencorajar a reprodução de cães que não têm o laudo radiográfico oficial de quadril livre de displasia. O laudo (OFA ou similar) não é um luxo, é uma certidão de integridade esquelética.

Trabalhe ativamente para conscientizar os tutores sobre o risco das raças predispostas. Ao adotar um cão de raça grande, o tutor está se comprometendo com a vigilância, o controle de peso e a moderação do exercício.

Seu compromisso com o cão displásico é o de gerente de dor e mobilidade. Use a ciência dos nutracêuticos, o poder da fisioterapia e a precisão das técnicas cirúrgicas quando necessário. Acima de tudo, não deixe que a dor roube a alegria do seu paciente. Com um manejo correto, um cão com displasia pode ter uma vida longa e digna.

O que mais você gostaria de entender sobre as técnicas cirúrgicas ou o manejo da dor crônica na Displasia Coxofemoral?

Post Comment

  • Facebook
  • X (Twitter)
  • LinkedIn
  • More Networks
Copy link