Cuidados com a cadela no parto
Parto Canino: O Guia Definitivo do Clínico para um Manejo Sereno e Eficaz
Você, como futuro clínico, sabe que a gestação e o parto canino são eventos fisiológicos, mas isso não significa que não exijam nossa vigilância e intervenção técnica quando necessário. Quando um tutor te procura, ele não está apenas buscando um profissional; ele quer segurança e a certeza de que a mãe e os filhotes terão o melhor suporte possível. Este é um momento em que precisamos equilibrar o respeito ao instinto animal com a nossa responsabilidade técnica. Pense na sua função como a de um regente em uma orquestra: você garante que cada instrumento entre no momento certo e que a harmonia prevaleça.
Estamos aqui para derrubar o mito de que “a natureza sabe o que faz” e, em vez disso, adotar a postura de que a ciência nos prepara para apoiar a natureza quando ela encontra um obstáculo. Nossa intervenção deve ser sempre minimalista, mas jamais ausente.
O Cenário Ideal: O Pré-Parto e a Preparação Logística
Você não pode esperar a cadela começar a parir para começar a se preparar. O manejo eficaz começa dias, ou até semanas, antes. É fundamental educar o tutor para que o ambiente, as ferramentas e o nosso contato estejam prontos. Você está atuando como um mentor para o proprietário, orientando-o sobre o que é normal e o que é uma bandeira vermelha.
A Fase de Nidificação: Entendendo o Comportamento da Mãe
A cadela, especialmente nas 48 a 24 horas que antecedem o parto, entra em um estado comportamental conhecido como nidificação. Ela se torna mais reclusa, inquieta e pode começar a cavar ou rasgar materiais para “construir” seu ninho ideal. Esse comportamento, que é um resquício evolutivo, é um sinal precioso que você precisa ensinar o tutor a reconhecer. Muitas vezes, a cadela primípara (de primeira viagem) pode exibir uma ansiedade acentuada ou até mesmo rejeitar o ninho que foi carinhosamente preparado, optando por um canto silencioso e inusitado da casa.
É crucial que você oriente o tutor a não forçar a fêmea. Se ela escolheu um local diferente da caixa de parto, a melhor tática é transferir o Kit Maternidade para o local de sua preferência. A ansiedade materna pode levar a um estresse excessivo, que por sua vez, pode inibir as contrações uterinas ou, pior, levar a comportamentos de rejeição ou, em casos raros e extremos, até canibalismo fetal. A sua função é garantir que a mãe se sinta segura, e a segurança dela está intimamente ligada ao controle do seu ambiente. Lembre-se, o estresse libera catecolaminas, e a epinefrina é um potente inibidor da ocitocina, o principal hormônio da expulsão.
Um erro comum é permitir a aglomeração de pessoas para assistir. Você deve ser enfático: o parto canino é um evento privado. Garanta que o ambiente esteja tranquilo, com poucas pessoas e, idealmente, apenas uma pessoa de confiança, geralmente o tutor, fornecendo observação discreta. O tutor precisa entender que sua presença é para observação e apoio, e não para interferência constante. Esse manejo comportamental é tão importante quanto qualquer medicação que você possa prescrever.
Montando a Maternidade Perfeita: Caixa, Higiene e Climatização
A Caixa de Parto ou Ninho deve ser mais do que apenas um recipiente; ela deve ser um microambiente termorregulado e asséptico. Você não pode subestimar a importância da termorregulação, especialmente para os filhotes, que são pecilotérmicos no início da vida, ou seja, dependem do ambiente para manter a temperatura corporal. A temperatura ambiente ideal deve girar entre $29.5^\circ C$ a $32^\circ C$ nos primeiros quatro dias de vida, diminuindo gradativamente. Use uma lâmpada de radiação infravermelha ou um tapete térmico regulável, mas sempre com uma área de escape para a mãe, evitando superaquecimento.
Em relação ao design, para raças grandes, você deve insistir na instalação de barras de contenção (ou pig rails) elevadas. Essas barras impedem que a mãe, ao se deitar desajeitadamente ou se mover durante a amamentação, esmague acidentalmente os filhotes contra a parede da caixa. É uma medida de segurança simples, mas que salva vidas. O piso deve ser forrado com material absorvente e de fácil troca, como jornais, toalhas limpas ou pads descartáveis, garantindo que o local esteja sempre limpo para prevenir infecções ascendentes na mãe e hipotermia nos filhotes por umidade.
A umidade é outro fator negligenciado. Um ambiente muito seco pode levar à desidratação rápida dos filhotes. O ideal é manter a umidade relativa entre 65% a 70%. Um simples umidificador de ambiente pode ser seu aliado. Quando você consegue controlar esses fatores ambientais — temperatura, higiene e umidade — você está garantindo que a cadela foque apenas em parir e nos filhotes, sem ter que lutar contra o desconforto ou o risco de doença. Lembre-se, um ambiente limpo e quente não é um luxo, é manejo clínico essencial.
O “Kit Cesariana”: Ferramentas Essenciais na Sala de Espera
Como em qualquer procedimento médico, você precisa de um kit de emergência e apoio pronto. Eu costumo chamar de “Kit Cesariana” porque, se o parto der errado, você já tem o essencial para o primeiro atendimento. O que não pode faltar? Toalhas limpas e secas (e muitas, para a troca constante e secagem dos neonatos), tesoura cirúrgica esterilizada e fio dental ou sutura para ligar o cordão umbilical, seringa bulbo para aspiração de muco oral/nasal (o famoso desmame pulmonar), e solução de iodo (ou clorexidina) a 2% para antissepsia do coto umbilical.
Além dos materiais, o kit inclui sua própria prontidão. O contato do veterinário (você) deve estar à mão do tutor, e ambos devem ter revisado os sinais de alarme que indicam a necessidade de transporte urgente para a clínica. Prepare um local alternativo, aquecido e forrado, para receber os filhotes que já nasceram enquanto a mãe ainda está em trabalho de parto. Isso evita que os recém-nascidos fiquem sujos ou sejam acidentalmente machucados pela mãe durante as contrações. É sua responsabilidade garantir que o tutor entenda a função de cada item, transformando o pânico em ação técnica e controlada.
Os Sinais Clínicos: Da Queda de Temperatura ao Início da Expulsão
O parto não é uma surpresa. Ele é precedido por uma cascata hormonal e sinais clínicos que, se monitorados corretamente, nos dão uma janela de 12 a 24 horas para garantir que tudo esteja pronto.
Monitoramento Térmico: O Termômetro como Seu Melhor Preditivo
O sinal clínico mais confiável para prever o parto é a queda da temperatura retal. Por volta de 24 horas antes do início da primeira fase do parto, a temperatura da cadela cai abruptamente, geralmente para valores abaixo de $37.2^\circ C$, podendo chegar a $36^\circ C$. Isso ocorre devido a uma queda na progesterona sérica (progesterona que estava mantendo a gestação), um evento que sinaliza o corpo para o início da cascata de eventos do parto.
Você deve instruir o tutor a medir a temperatura retal com um termômetro digital duas a três vezes ao dia, começando na última semana de gestação. Se a temperatura cair e se mantiver baixa, você tem seu sinal verde: o parto está a caminho em menos de um dia. É um insight prático e acionável que transforma um tutor ansioso em um observador clinicamente útil. Se a temperatura cai e depois sobe novamente (acima de $37.5^\circ C$) sem que o parto tenha se iniciado, você deve ser acionado imediatamente, pois isso pode indicar problemas como sofrimento fetal ou inércia uterina incipiente.
As Três Fases do Parto: Fisiologia Descomplicada
O parto canino (ou parto, o termo correto na clínica) é dividido em três fases distintas. A Fase I (Dilatação Cervical), que é a mais longa (6 a 12 horas), é marcada por inquietação, ofegação, tremores e busca incessante por conforto. A cadela pode vomitar, urinar frequentemente ou simplesmente mudar de posição constantemente. O útero está se contraindo, mas o colo uterino ainda está se dilatando, e a cadela ainda não está “empurrando”.
A Fase II (Expulsão Fetal) começa quando a cadela inicia as contrações abdominais visíveis, ou o que o tutor chama de “fazer força”. Nesta fase, o filhote (envolvido pela placenta, ou membranas fetais) é expelido. O intervalo entre o início das contrações ativas e o nascimento do primeiro filhote pode levar até 4 horas, mas entre os filhotes subsequentes, o normal é de 15 minutos a 1 hora, raramente chegando a 2 horas. A Fase III (Expulsão Placentária) ocorre quase imediatamente após o nascimento de cada filhote. A cadela costuma ingerir a placenta, que é normal e fornece um pico de energia e ocitocina, mas você precisa alertar o tutor para contar o número de placentas.
Você precisa de uma metáfora simples: a Fase I é o aquecimento, a Fase II é o sprint final. Se o sprint (Fase II) durar mais de 30 minutos de contrações ativas e intensas sem a expulsão de um filhote, você tem uma urgência. Esse conhecimento das fases permite que você, a quilômetros de distância, possa diagnosticar um problema com base no relato de um tutor.
Quando o Instinto Materno Falha: O Primeiro Atendimento ao Neonatologista
Embora a maioria das cadelas rompa as membranas, lamba e estimule o filhote a respirar, e corte o cordão umbilical, as primíparas (mães de primeira viagem) ou cadelas estressadas podem negligenciar essas tarefas cruciais. É aqui que o tutor, sob sua orientação, precisa intervir. Se o filhote nascer e a mãe não romper a membrana, você deve instruir o tutor a rasgá-la rapidamente com os dedos, liberando o focinho para que o neonato possa respirar.
A estimulação respiratória é vital. Se o filhote não respirar, o tutor deve usar uma toalha limpa para esfregar vigorosamente o corpo do filhote no sentido contrário ao do pelo. Esse atrito simula a lambedura da mãe e estimula o reflexo de respiração. Em casos de excesso de líquido nas vias aéreas, o uso do bulbo aspirador para a limpeza nasal e oral é fundamental. Ensine o tutor a não balançar o filhote, uma prática antiga e perigosa que pode causar trauma cerebral. O primeiro minuto de vida é, muitas vezes, o mais perigoso, e sua intervenção, ainda que indireta, é a diferença entre a vida e a morte para esse novo paciente.
Distocia e Emergências: Identificando o Momento de Intervir
A distocia, ou parto difícil, é o grande medo do tutor e o nosso maior desafio na obstetrícia de pequenos animais. Você precisa ter seus parâmetros de intervenção muito bem definidos para evitar o risco de sofrimento fetal por prolongamento desnecessário do parto.
Inércia Uterina: Primária vs. Secundária e a Terapia de Suporte
A inércia uterina é a incapacidade do útero de se contrair e expelir os filhotes de forma eficiente. A Inércia Primária ocorre quando o parto não se inicia dentro do tempo esperado (após a queda de temperatura) ou há contrações fracas desde o início. Geralmente, está associada a fatores hormonais (falha na queda da progesterona), úteros super distendidos por ninhadas muito grandes, ou em cadelas obesas. Já a Inércia Secundária é a mais comum: a exaustão da musculatura uterina após a expulsão de alguns filhotes, muitas vezes em ninhadas grandes, ou quando o obstáculo é mecânico (um filhote grande, por exemplo).
No caso da inércia primária ou secundária sem obstrução aparente, você pode tentar uma terapia de suporte conservadora. Isso inclui passear com a cadela (o movimento pode estimular as contrações), garantir glicose e cálcio intravenoso, se necessário, e somente então considerar a ocitocina (o que discutiremos a seguir). É um protocolo que exige calma, mas também a certeza diagnóstica de que não há um impedimento mecânico (como um filhote mal posicionado) ou sofrimento fetal. Nunca administre ocitocina sem um diagnóstico completo, incluindo radiografia para contagem fetal.
Sinais de Sofrimento Fetal e Ameaça à Mãe: O Protocolo de Urgência
Você tem três sinais clínicos que são bandeiras vermelhas e exigem o transporte imediato para a clínica. O primeiro é a secreção vaginal esverdeada ou enegrecida, sem a expulsão de um filhote em até 30 minutos. Essa coloração indica a separação da placenta (separação placentária precoce), sinalizando sofrimento fetal e risco de asfixia, pois o feto está perdendo o suprimento de oxigênio.
O segundo é a expulsão incompleta ou a presença visível de um filhote preso no canal de parto por mais de 15 a 30 minutos, apesar das contrações ativas e intensas. Isso é uma obstrução mecânica e você não conseguirá resolver com medicamentos. O terceiro é o intervalo de nascimento maior que 2 horas quando você sabe, por meio de ultrassom ou radiografia prévia, que ainda há filhotes a nascer, e a cadela está apática, letárgica ou com sinais sistêmicos de mal-estar. Nesses casos, a perda de tempo é a perda de vidas. O protocolo de urgência é sempre o mesmo: estabilizar e partir para o diagnóstico definitivo, que frequentemente culmina em uma cesariana de urgência.
O Papel da Citocina: Mitos, Riscos e o Uso Criterioso pelo Clínico
A ocitocina (ou citocina) é um fármaco poderoso, mas o uso indiscriminado é um erro crasso e, francamente, iatrogênico. O maior mito é que ela é a “solução” para qualquer parto lento. Você, como clínico, sabe que o uso de ocitocina em um útero com obstrução mecânica ou em um útero já exausto por inércia secundária, mas ainda contendo filhotes grandes, pode causar ruptura uterina, o que é um desastre.
O uso da ocitocina é reservado apenas para casos de inércia uterina primária ou secundária leve, e somente após a certeza de que não há obstrução. A dose deve ser sempre a mínima eficaz e administrada em pulsos (pequenas doses em intervalos), nunca em uma única dose alta, que pode levar a um espasmo uterino prolongado e, paradoxalmente, a um maior sofrimento fetal. O protocolo de administração deve ser sempre associado à suplementação de cálcio, pois a contração uterina depende da homeostase do cálcio. O maior aprendizado aqui é: diagnóstico precede o tratamento. Nunca use ocitocina sem antes confirmar a ausência de obstrução e o monitoramento fetal.
O Pós-Parto Imediato e a Propedêutica Neonatal
Parabéns! O parto foi um sucesso. Mas agora começa o manejo neonatal, uma área de altíssima sensibilidade. Os filhotes são pacientes frágeis e que exigem um olhar clínico extremamente atento nas primeiras 48 horas.
O Manejo do Recém-Nascido: Limpeza, Secagem e Estímulo
O foco imediato após a expulsão é garantir a respiração e a termorregulação. Se a mãe não limpar o filhote imediatamente, o tutor deve secar vigorosamente o neonato com uma toalha limpa, removendo o máximo de líquido amniótico, que contribui para a hipotermia por evaporação. A secagem deve ser rápida e intensa, mas cuidadosa. Essa fricção serve como estímulo tátil para iniciar a respiração.
Em seguida, o corte do cordão umbilical deve ser feito de forma limpa. Se a mãe não o fizer, o tutor, com a tesoura esterilizada, deve cortar o cordão a cerca de 1 a 2 centímetros da parede abdominal, após ligá-lo firmemente com o fio dental. A aplicação imediata de iodo a 2% no coto é crucial para prevenir a onfalite (infecção do umbigo), uma porta de entrada para a septicemia. Lembre-se, o umbigo é uma ferida aberta. Uma vez secos e estimulados, os filhotes devem ser colocados imediatamente junto à mãe, incentivados a mamar.
A Primeira Mamada (Colostro): Garantindo a Transferência de Imunidade Passiva
Este é o momento mais crítico para a saúde futura dos neonatos. O colostro, o “primeiro leite” produzido pela cadela nas primeiras 12 a 24 horas, é a única fonte de imunidade passiva para os filhotes. Diferente de outras espécies, os cães não recebem anticorpos in utero, apenas após o nascimento. O colostro é rico em imunoglobulinas, especialmente a IgG, que protege o filhote contra as doenças infecciosas ambientais.
Você deve garantir que todos os filhotes mamem dentro das primeiras 12 horas. Após esse período, o intestino do neonato perde a capacidade de absorver essas macromoléculas de anticorpos (o chamado fechamento intestinal). Um filhote que não mama colostro é um filhote com risco imunológico altíssimo. O ganho de peso constante é o melhor indicador de que a amamentação está sendo eficaz. Qualquer filhote que pareça letárgico, não esteja competindo pela mama, ou que seja consistentemente negligenciado pela mãe, requer sua intervenção imediata, que pode incluir a alimentação assistida com substitutos lácteos específicos para cães.
A Avaliação da Vitelinidade e o Protocolo “APGAR” Canino
Assim como na medicina humana, você pode usar uma adaptação do escore APGAR para avaliar a vitalidade neonatal, embora o termo técnico seja Avaliação da Vitelinidade Neonatal. Você avalia: Esforço Respiratório, Frequência Cardíaca (pode ser auscultada ou palpada na região do tórax), Tônus Muscular, Reflexos (como o reflexo de sucção) e a Coloração das Membranas Mucosas.
Um filhote saudável é responsivo, se move vigorosamente, tem um tônus muscular forte, chora alto ao ser estimulado e apresenta mucosas rosadas. Filhotes que são flácidos, silenciosos, com mucosas cianóticas (azuladas) ou que apresentam uma frequência cardíaca abaixo de 150 batimentos por minuto (o normal é acima de 200) estão em risco de vida e precisam de intervenção de ressuscitação neonatal, incluindo oxigênio e estímulo térmico. Essa avaliação deve ser feita logo após o nascimento e repetida a cada 1 a 2 horas nas primeiras 12 horas. Esse monitoramento constante é a sua garantia de que o parto foi bem-sucedido, mas o desafio ainda não acabou.
Cuidados Críticos com a Matriz e a Prevenção de Complicações
O foco sai dos filhotes e volta para a matriz. Ela é o pilar de sustentação da ninhada e qualquer complicação nela coloca em risco a vida de todos os recém-nascidos. Sua vigilância pós-parto é fundamental.
Fisiologia da Puerpério: Metrite, Descarga e Retenção Placentária
O puerpério é o período pós-parto em que o útero retorna ao seu tamanho normal (involução uterina), processo que leva várias semanas. É normal, e você precisa alertar o tutor, a presença de uma descarga vaginal sanguinolenta a esverdeada/marrom escura, chamada lóquio, nas primeiras semanas.
O grande problema é a Metrite Puerperal, uma infecção bacteriana grave do útero, geralmente resultante de um parto contaminado ou, mais frequentemente, de retenção placentária. A placenta não expelida se torna um meio de cultura ideal para bactérias. O sinal clínico é fácil de reconhecer: a cadela fica apática, febril (temperatura acima de $39.5^\circ C$), perde o apetite e a descarga vaginal se torna purulenta, fétida e excessiva, geralmente acompanhada de negligência dos filhotes. Se o tutor relatar que a cadela parou de se alimentar e tem febre, sua suspeita número um deve ser metrite, e o tratamento é agressivo e imediato, com antibióticos de amplo espectro e, em casos graves, fluidoterapia e suporte.
Eclâmpsia (Hipocalcemia Pós-Parto): Prevenção, Sinais e Tratamento de Resgate
A eclâmpsia, ou hipocalcemia puerperal, é uma emergência clínica que você deve ter na ponta da língua. Ela é causada pela súbita e grande demanda de cálcio para a produção de leite (lactação), esgotando as reservas da mãe, especialmente em raças pequenas ou em ninhadas muito grandes. Ocorre mais frequentemente nas primeiras semanas de lactação.
O erro que leva a isso? Muitas vezes, a suplementação excessiva de cálcio durante a gestação! A suplementação pré-parto inibe a mobilização do cálcio ósseo, tornando o corpo menos eficiente em responder à demanda súbita do parto e da lactação. É um insight vital: evite a suplementação de cálcio na gestação, a menos que haja indicação clínica. Os sinais clínicos da eclâmpsia são neurológicos: nervosismo, ataxia (descoordenação), tremores faciais e musculares, e progressão para convulsões e hipertermia. O tratamento de resgate é imediato: gluconato de cálcio a 10% IV, lentamente e com monitoramento cardíaco. Essa é uma situação que exige a clínica mais próxima e intervenção em minutos.
Nutrição Pós-Parto: Suporte Energético para a Lactação
A lactação é o processo que exige a maior demanda energética na vida de uma cadela. Você precisa garantir que a alimentação dela seja nutricionalmente densa e em quantidade suficiente. Não adianta dar a mesma ração de manutenção. A cadela em pico de lactação pode precisar de três a quatro vezes a sua ingestão energética normal.
Recomende rações de alta qualidade para filhotes em crescimento, pois são hipercalóricas, ricas em proteínas e têm o balanço de cálcio/fósforo ideal (cerca de 1.2:1) para suportar a produção de leite sem desequilibrar a homeostase do cálcio da mãe. Além disso, a frequência de alimentação deve ser aumentada para duas ou três vezes ao dia, pois o útero ainda está grande e a capacidade gástrica está reduzida. Hidratação é igualmente crucial; certifique-se de que a mãe tenha acesso a água fresca e limpa o tempo todo. A nutrição ideal não apenas suporta a produção de leite, mas também ajuda na rápida recuperação uterina e previne a inércia secundária.
Tabela Comparativa de Manejo: Abordagens Comuns no Parto Canino
Para fechar o nosso raciocínio, e te dar um quadro prático para consulta, veja como o nosso protocolo, que eu chamo de “Protocolo Gênese”, se compara a duas abordagens que você ainda pode encontrar na prática clínica.
| Feature | Protocolo Gênese (Manejo Clínico Ideal) | Abordagem Antiga (Intervenção Tardia) | Abordagem Leiga (Superinterferência) |
| Monitoramento Pré-Parto | Medição de Temperatura Retal 3x/dia na última semana. | Apenas observação de sinais comportamentais. | Uso de kits de teste de progesterona caros e desnecessários. |
| Uso de Ocitocina | Uso Criterioso em doses mínimas, após exclusão de obstrução e com suporte de Cálcio IV, para Inércia Uterina leve. | Uso indiscriminado e em altas doses ao primeiro sinal de atraso. | O tutor usa por conta própria (erro gravíssimo). |
| Prevenção de Eclâmpsia | NÃO suplementar cálcio na gestação (mantém a mobilização óssea). | Suplementar cálcio indiscriminadamente na gestação. | Não faz nada e espera a convulsão. |
| Termorregulação Neonatal | Caixa de parto com área de escape e temperatura de $29.5^\circ C$ a $32^\circ C$. | Cobertores simples ou garrafas de água quente (risco de queimadura). | Filhotes em contato direto com a mãe no chão frio. |
| Intervenção de Urgência | Secreção esverdeada, contrações ativas > 30 min sem filhote, ou intervalo > 2h: Encaminhamento imediato para cesariana. | Esperar 4-6 horas após o início da descarga esverdeada. | Tentar extração manual forçada em casa. |
Você viu que o manejo do parto canino é uma complexa integração de zoologia comportamental, endocrinologia e emergência clínica. A sua função não é substituir a cadela, mas ser a retaguarda técnica que garante a segurança dela e a vitalidade dos filhotes.
A humanização da escrita, a qual buscamos aqui, se traduz em insights práticos: você, como veterinário, precisa agir com a mente calma e o olhar treinado, transformando a ansiedade do tutor em um plano de ação claro e eficiente. Pense nisso na sua próxima escala: você está preparado para ser o herói da sala de parto?
Gostaria que eu explorasse em mais detalhes um dos tópicos de emergência, como o diagnóstico diferencial entre a Inércia Uterina e uma obstrução mecânica?




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