O parto da gata: Como ajudar
O Parto da Gata: Como Ajudar o Tutor a Ser um Coadjuvante de Sucesso na Matriz Felina
E aí, futuro colega! Ou melhor, futuro expert em Obstetrícia Felina! Vejo que você está de plantão para um dos eventos mais fascinantes da vida animal: o parto da gata, ou como a gente chama tecnicamente, a parturição. Esquece aquela ideia de que gato se vira sozinho. Claro, a natureza é sábia, e a gata é uma máquina biológica impressionante, mas você, como tutor, tem a função de ser o coadjuvante de sucesso. Pense em você como o anestesista em uma cirurgia: a cirurgia acontece sozinha, mas o paciente precisa de você para garantir que tudo ocorra no melhor ambiente possível e que, se o pior acontecer, você esteja pronto para entrar em campo com o kit de emergência. Seu papel é crucial, mas ele é sutil.
Neste nosso bate-papo, vou te passar o protocolo completo, da montagem do “centro cirúrgico” até a identificação da temida distocia – o parto complicado. Lembre-se, na veterinária de pequenos animais, o sucesso de uma ninhada muitas vezes depende da calma e da preparação do proprietário. O estresse é o maior inimigo da gata parindo; ele libera catecolaminas que podem parar o trabalho de parto na hora. Portanto, respira fundo! Vamos destrinchar cada etapa para você se sentir seguro e capacitado para lidar com este evento fisiológico, mas que exige atenção redobrada. Vamos mergulhar neste universo, utilizando nossa experiência e a literatura mais atualizada para garantir a saúde da mãe e dos futuros “pacientinhos” neonatos.
Entenda que o parto felino, em condições normais, é um evento de autorregulação. A fêmea, evolutivamente, foi desenhada para fazer isso sem assistência. Nosso maior desafio, hoje, é que as gatas domésticas vivem em ambientes artificiais, com ruídos, movimentação e nossa ansiedade, que é transmitida a elas. A verdadeira ajuda, no início, não é fazer, mas sim permitir. Permitir que o instinto materno prevaleça, minimizando os fatores externos de perturbação. Se você fizer sua parte na preparação e na observação, já tem 90% do sucesso garantido.
A Preparação Propedêutica: Montando a Maternidade Felina
O sucesso de qualquer procedimento, seja ele cirúrgico ou fisiológico, começa muito antes de a primeira contração aparecer. No caso do parto da gata, a fase de preparo, ou propedêutica, é onde você garante que a mãe terá o ambiente e os recursos necessários para um processo tranquilo. Não adianta querer montar o ninho na hora que a bolsa estourar. A gata precisa se familiarizar com o local e se sentir a dona daquele espaço, validando-o como seguro.
Quando falamos em montar a maternidade, estamos falando de criar uma zona de conforto térmico, social e sanitário. É um investimento de tempo que paga dividendos em tranquilidade para a mãe e em saúde para a ninhada. Uma gata estressada ou incomodada tem maior chance de abandonar o local, dificultando sua observação e, pior, aumentando o risco de complicações. Você precisa pensar como ela: o que me faria sentir segura e não ameaçada em um momento de vulnerabilidade? A resposta, quase sempre, é privacidade e calor.
Lembre-se do nosso mantra: o estresse é o maior inibidor da ocitocina. A ocitocina é o hormônio que faz as contrações uterinas funcionarem de forma eficaz. Se a gata sentir-se ameaçada (por barulho, cães, crianças curiosas ou sua própria ansiedade), seu corpo libera adrenalina, que compete com a ocitocina, paralisando o trabalho de parto. O resultado? Uma inércia uterina secundária e a necessidade de intervenção veterinária, que é exatamente o que queremos evitar com uma boa preparação prévia.
O Ninho Ideal e o Manejo do Estresse Ambiental
O ninho, ou caixa de parição, deve ser um local que combine escuridão, calor e proteção contra correntes de ar, mas que seja de fácil acesso para você monitorar. Uma caixa de papelão grande, com laterais não muito altas (para a mãe entrar e sair sem esforço, mas alta o suficiente para manter os filhotes dentro), forrada com toalhas ou panos limpos, é o padrão ouro. Evite jornais, pois podem contaminar os recém-nascidos. A gata precisa escolher aquele local. Se ela preferir o fundo do seu armário, mova a caixa para lá, em vez de forçá-la a ficar onde você quer.
O manejo ambiental envolve o isolamento acústico e visual. O local deve ser em uma área de tráfego zero na casa, longe de portas e janelas. A temperatura ambiente é crítica; os filhotes, ao nascerem, não conseguem regular a temperatura, sendo totalmente dependentes do ambiente. A temperatura ideal na caixa deve girar em torno de $30^{\circ}C$ a $32^{\circ}C$ nos primeiros dias. Uma luz infravermelha ou uma almofada térmica (bem isolada e coberta) pode ser necessária para manter este conforto térmico, o que reduz o estresse da mãe, que não precisa se preocupar tanto em aquecer os filhotes.
A interação humana deve ser mínima. Deixe que a gata se acostume com sua presença, mas apenas como uma “sombra amiga”. Fale baixo com ela, ofereça petiscos no local, e deixe água fresca e comida (de preferência, ração de filhotes, mais energética) por perto. Se ela se sentir segura com a sua presença discreta, é provável que te aceite como observador durante o trabalho de parto. Caso contrário, a privacidade total é a melhor política.
Kit de Maternidade e Checklist de Emergência
O Kit de Maternidade é o nosso “carrinho de parada” da neonatologia felina. Ele deve estar pronto e esterilizado pelo menos uma semana antes da data prevista do parto. Esse kit demonstra nossa proatividade e garante que, na hora do aperto, você não estará procurando desesperadamente por uma tesoura.
O que não pode faltar no seu kit? Toalhas limpas (pequenas e de cor clara, para facilitar a visualização de secreções), tesoura cirúrgica esterilizada (para cortar cordões umbilicais se a mãe não o fizer), fio dental ou linha esterilizada (para amarrar o cordão, 2,5 cm de distância do abdômen do filhote), uma balança de precisão (para monitorar o peso dos neonatos, item vital), e luvas descartáveis. Além disso, tenha sempre em mãos um aquecedor suplementar (bolsa de água quente ou pad térmico), e um substituto de leite materno (fórmula específica para gatinhos), caso a mãe apresente agalactia temporária ou a ninhada seja muito grande.
O Checklist de Emergência deve ter o número do veterinário de plantão em negrito. Não é o veterinário de rotina, é aquele que você sabe que vai atender no meio da madrugada. O checklist também deve incluir os principais sinais de distocia (veremos adiante) e um bloco de notas para registrar a hora do nascimento de cada filhote e a expulsão da respectiva placenta. Esse registro é o nosso prontuário obstétrico, a informação mais valiosa que você pode dar ao veterinário em caso de complicação.
Monitoramento Gestacional e a Curva de Peso Materna
Monitorar a gestação é essencial para prever o parto. A gestação da gata dura em média 63 a 65 dias. Nas últimas duas semanas, o monitoramento da curva de peso da mãe é uma ferramenta de diagnóstico não invasiva. O peso da gata geralmente se estabiliza ou até cai ligeiramente nas últimas 24 a 48 horas antes do parto. Essa queda de peso (cerca de 1 a 2%) é causada pela eliminação de fluidos e é um sinal próximo de que o nascimento está por vir.
Além do peso, a temperatura retal também é uma ferramenta de ouro. A temperatura normal de uma gata é de $38^{\circ}C$ a $39^{\circ}C$. Cerca de 12 a 24 horas antes do início do Estágio I (o trabalho de parto em si), a temperatura da gata pode cair para menos de $37.5^{\circ}C$. Se você notar essa queda, você tem um alerta de “parto em breve”. Essa medida deve ser feita duas vezes ao dia nos dias finais da gestação.
Você também deve estar atento aos sinais físicos. O aumento das glândulas mamárias (mamogênese), a produção do colostro (aquele líquido amarelado e espesso) e a lambedura excessiva da região vulvar e abdominal são sinais claros de que o processo está se iniciando. Lembre-se, o objetivo é nunca ser pego de surpresa. A preparação é a base da sua tranquilidade.
As Fases do Parto (Do Pródromo à Expulsão)
O parto felino é classicamente dividido em três estágios, sendo que o Estágio II (nascimento dos filhotes) e o Estágio III (expulsão da placenta) se alternam para cada neonato. É importante que você, como observador, consiga identificar em qual fase a gata está para saber o que esperar e, principalmente, quando intervir.
A gata, diferentemente da cadela, é notoriamente discreta no parto. Muitas vezes, o tutor só percebe que ela pariu quando a ninhada já está mamando. Essa discrição é um reflexo do instinto de proteção, mas não anula a necessidade de observação. Vamos entender a fisiologia por trás de cada etapa.
O Estágio I: Sinais Comportamentais e Fisiológicos
O Estágio I é a fase de dilatação e dura, em média, de 6 a 12 horas, mas pode se estender até 36 horas em primíparas (mães de primeira viagem) ou em gatas muito nervosas. Neste momento, o cérvix uterino começa a se abrir e as contrações uterinas já estão presentes, mas são invisíveis externamente. O que você vai notar são as mudanças comportamentais.
A gata fica inquieta, aninhando-se repetidamente na caixa de parição, e pode até cavar o forro (comportamento de “fazer ninho”). Ela pode recusar a alimentação, aumentar a vocalização (miados) e a lambedura da vulva. Algumas gatas, por outro lado, tornam-se extremamente carentes, buscando o tutor incessantemente. Se a sua gata for do tipo que busca a proximidade, ofereça-a, mas sem alarde. A respiração pode se tornar mais rápida e ofegante, uma taquipneia que é tanto um reflexo da dor quanto da ansiedade.
Neste estágio, é comum a saída de um tampão mucoso, que pode ter um traço sanguinolento – é o sinal de que o cérvix se abriu. Esse corrimento é normal. Se você notar um corrimento sanguinolento escuro, amarronzado ou verde-esverdeado antes do nascimento do primeiro gatinho, isso é um sinal de emergência e indica descolamento prematuro de placenta. Este é o momento de pegar o telefone e acionar o protocolo de emergência imediatamente.
O Estágio II: A Contração, o Esforço e a Ordem de Nascimento
O Estágio II é a fase de expulsão. É quando as contrações se intensificam, tornam-se visíveis e a gata começa a fazer o esforço abdominal (a chamada prensa). Este esforço é o que move o filhote pelo canal do parto. O primeiro gatinho geralmente nasce após 30 minutos a 1 hora do início das contrações intensas.
Os gatinhos podem nascer tanto em apresentação anterior (cabeça primeiro) quanto posterior (pés ou cauda primeiro). Ambas as apresentações são consideradas normais em gatos. O intervalo entre os nascimentos pode variar enormemente, de 15 minutos a 2 horas. Sim, você leu certo. A gata tem a capacidade de pausar o parto se sentir que o ambiente está estressante, entrando em um período de repouso uterino. Isso pode durar até 24, e em raras ocasiões, 48 horas. É uma estratégia de sobrevivência.
Sua observação aqui é crucial. A gata deve lamber vigorosamente o filhote após o nascimento. Essa lambedura tem um triplo efeito: rompe o saco amniótico, limpa as vias aéreas do neonato e estimula a circulação e a primeira respiração. Se a mãe estiver exausta ou tiver nascimentos muito rápidos, você precisa intervir, como veremos adiante. Caso contrário, apenas monitore se ela corta o cordão umbilical, geralmente a 2,5 cm do abdômen. Se ela roer muito perto, ou se ignorar o filhote, a intervenção se faz necessária.
O Estágio III: A Eliminação das Placentas e a Prevenção de Retenção
O Estágio III é a expulsão da placenta. Para cada gatinho nascido, uma placenta deve ser expelida. Geralmente, a placenta sai minutos após o nascimento do filhote. A gata costuma ingeri-las. Não se assuste, isso é um comportamento instintivo (placentofagia), que serve para limpar o ninho, disfarçar o cheiro para predadores e fornecer um pequeno boost de nutrientes e hormônios para a mãe.
Se a gata comer a placenta, registre mesmo assim. O ponto mais importante aqui é a contagem. É vital que o número de placentas seja igual ao número de filhotes. Uma placenta retida no útero é um convite para uma infecção grave (metrite) e sepse, o que pode ser fatal para a mãe. Se você notar que nasceram cinco gatinhos, mas apenas quatro placentas foram expelidas, e a gata não demonstra mais esforço, é imperativo contatar o veterinário para verificar a possível retenção e iniciar um protocolo de tratamento (geralmente ocitocina ou antibióticos, dependendo do caso).
O fluxo de lóquios (secreção pós-parto) normal deve ser marrom-avermelhado e diminuir gradualmente ao longo das primeiras semanas. Um corrimento fétido, escuro ou purulento é um sinal de infecção e exige avaliação imediata. Acompanhar a placenta e o lóquio é, portanto, um dos pilares da saúde materna no puerpério.
A Intervenção Cirúrgica: Identificando a Distocia e a Hora de Agir
Na nossa profissão, a intervenção ideal é sempre a não intervenção. Mas quando a fisiologia falha, o clínico tem que se tornar um obstetra. Distocia é o termo técnico para o parto difícil ou obstruído. Reconhecer a hora de buscar ajuda profissional não é um sinal de falha, mas sim de responsabilidade clínica. É muito melhor acionar o veterinário 30 minutos mais cedo do que 30 minutos mais tarde.
A tentação de puxar o filhote ou forçar a gata é grande, mas pode ser catastrófica. O útero felino é delicado, e uma tração inadequada pode causar hemorragia, rompimento uterino ou lesões graves no neonato. Se você precisa intervir, é porque o corpo da mãe te deu um sinal de que algo está errado. Você, nesse momento, deixa de ser o coadjuvante e precisa urgentemente de um profissional para assumir o papel principal.
Sinais Clínicos de Alerta Vermelho: Quando Ligar para o Plantão
Você tem a responsabilidade de ligar para o plantão veterinário imediatamente se observar um dos seguintes cenários, que são considerados Alerta Vermelho:
- Esforço Produtivo Persistente: Se a gata fizer contrações fortes e visíveis por mais de 30 minutos sem que nasça um filhote, há uma obstrução. Pode ser um filhote muito grande, mal posicionado ou o problema mais comum: inércia uterina.
- Repouso Prolongado: Se houver um intervalo de mais de 4 horas entre os nascimentos, e você tiver certeza de que há mais filhotes no útero (confirmado por ultrassom prévio ou pela palpação abdominal delicada), a gata pode ter entrado em inércia secundária e precisa de ocitocina.
- Secreção Anormal: Se a gata apresentar corrimento vaginal verde-esverdeado ou muito escuro antes do nascimento do primeiro gatinho, como mencionei, isso indica descolamento placentário. Não espere. Se o corrimento for fétido ou purulento, é infecção.
- Sinais de Doença Materna: Se a gata estiver letárgica, fraca, tremendo, ou tiver febre (acima de $39.5^{\circ}C$), ela pode estar desenvolvendo eclampsia (falta de cálcio) ou sepse.
Se qualquer um desses sinais surgir, o tempo é o fator limitante. Levar a gata imediatamente ao hospital veterinário pode salvar a vida dela e da ninhada. Não tente tratar a eclampsia em casa com suplementos de cálcio; a administração intravenosa é a única forma eficaz e segura.
Manobras de Auxílio Rápido: O Rompimento do Saco e a Estimulação (Cuidado!)
A intervenção mínima é a sua responsabilidade se a gata estiver exausta ou com múltiplos nascimentos em sequência. As duas manobras de auxílio rápido são:
- Rompimento do Saco Amniótico e Limpeza: Se o filhote nascer e a mãe não lamber o saco imediatamente, você deve agir. Com as mãos limpas e enluvadas, rompa a membrana que cobre o focinho e a boca. Use uma toalha limpa para limpar essas vias aéreas, retirando o excesso de líquido.
- Estimulação da Respiração e Circulação: Pegue o filhote de bruços. Use uma toalha limpa e seca e esfregue vigorosamente (mas com delicadeza!) o corpinho do gatinho, especialmente o tórax, no sentido contrário ao do crescimento do pelo. Isso simula a lambedura da mãe, estimulando a respiração e a circulação. É o nosso “massoterapia” neonatal.
Cuidado com o Cordão: Se a mãe não cortar, você precisa amarrar e cortar o cordão umbilical. Use o fio dental esterilizado para fazer duas amarrações firmes, a primeira a 2,5 cm do abdômen e a segunda a 1 cm da primeira. Corte a tesoura esterilizada entre as duas amarrações. Isso evita hemorragia e infecção (se você mergulhar o coto umbilical em iodo, ajuda ainda mais na assepsia). Nunca puxe a placenta ou o filhote com força.
A Cesariana de Emergência: Riscos e o Protocolo Pós-Operatório
A Cesariana de Emergência é a resolução cirúrgica da distocia. É um procedimento de risco, tanto anestésico (por causa da mãe gestante e dos filhotes) quanto infeccioso, mas muitas vezes é a única opção para salvar a vida de ambos. O veterinário irá avaliar se a distocia é por obstrução (problema mecânico) ou inércia (problema na força de contração).
O protocolo pós-operatório exige cuidados triplicados. A mãe precisará de antibióticos para prevenir a metrite pós-cirúrgica e de analgésicos. A amamentação é a maior preocupação. A gata pode estar sonolenta pela anestesia e com dor na incisão abdominal, o que pode inibir seu instinto materno nas primeiras horas.
Seu papel é garantir que a mãe descanse e que os filhotes consigam acessar as mamas. Você pode precisar auxiliar ativamente a mamada, posicionando os neonatos. O calor é ainda mais importante, pois a cirurgia pode ter exposto o útero e a gata a uma queda de temperatura. O monitoramento da dor da mãe é vital: se ela não estiver confortável, ela não cuidará dos filhotes. Este é o momento em que a equipe veterinária e você precisam trabalhar em perfeita simbiose.
Puerpério e Neonatologia: Cuidando da Díade Mãe-Filhotes
O parto acabou, mas o seu trabalho de coadjuvante de sucesso está apenas começando. O período puerperal (pós-parto) e a neonatologia (cuidados com o recém-nascido) exigem vigilância constante por pelo menos as primeiras três semanas de vida. É aqui que definimos a viabilidade dos filhotes e a recuperação completa da mãe.
Na maternidade felina, tudo é interligado: a saúde da mãe impacta diretamente a sobrevivência da ninhada. Se a mãe estiver bem nutrida, livre de dor e com instinto materno ativo, os filhotes prosperam. Se ela falha em um desses pontos, você precisa entrar como babá, enfermeiro e nutricionista.
Colostro e Imunidade: O Primeiro Leite é a Primeira Vacina
O colostro é o leite produzido nas primeiras 24 a 72 horas após o parto. Ele é mais do que nutrição; é a imunidade passiva. Ele é riquíssimo em imunoglobulinas (anticorpos) que a mãe passou aos filhotes, protegendo-os de doenças até que o sistema imune deles comece a funcionar. Pense nele como a primeira vacina natural.
É vital que todos os filhotes mamem o colostro nas primeiras 12 a 18 horas de vida. Após esse período, o intestino do neonato perde a capacidade de absorver essas grandes moléculas de anticorpos. Se um filhote estiver fraco, hipotérmico ou a ninhada for muito grande, você deve auxiliar a mamada para garantir que ele receba esse “ouro líquido”.
Se a mãe apresentar agalactia (falta de leite), você precisa introduzir a fórmula substituta de leite o mais rápido possível. Lembre-se, leite de vaca é inadequado e perigoso para gatinhos, pois tem o balanço nutricional errado e pouca proteína e gordura. Use sempre um substituto comercial específico para felinos.
O Dilema da Hipotermia: Aquecimento e a Temperatura Crítica do Recém-Nascido
A hipotermia é a principal causa de morte em neonatos. Filhotes com menos de duas semanas não têm o reflexo de tremer e não conseguem regular a temperatura corporal. Eles dependem inteiramente do ninho e da mãe. A temperatura corporal ideal nos primeiros dias deve ser de $35.5^{\circ}C$ a $37.0^{\circ}C$.
Se um filhote estiver frio (abaixo de $35^{\circ}C$), ele entrará em um ciclo vicioso: o intestino para de absorver nutrientes, o sistema imune falha e ele fica letárgico, parando de mamar. Atenção: Você nunca deve alimentar um filhote hipotérmico. Primeiro, você precisa reaquecê-lo gradualmente. Se você der leite a um gatinho frio, ele não conseguirá digerir, e o leite fermentará no estômago, causando inchaço e, possivelmente, morte.
Use seu pad térmico ou a luz infravermelha para reaquecer o filhote lentamente, por cerca de 30 a 60 minutos, até que a temperatura retal suba para $36^{\circ}C$. Só então você pode tentar a mamada assistida. Lembre-se, o calor não é luxo, é uma necessidade metabólica fundamental.
Monitorando a Ninhada: Ganho de Peso e a Tabela de Viabilidade
A balança de precisão que você separou no seu kit é sua melhor amiga agora. O ganho de peso diário é o indicador mais simples e eficaz da viabilidade do neonato.
Um gatinho saudável deve ganhar pelo menos 10 gramas por dia nos primeiros 7 a 10 dias. O peso ao nascer deve ser registrado. Se um filhote perder peso nas primeiras 24 horas, é aceitável, mas ele deve voltar ao peso de nascimento em 48 horas e, a partir daí, o ganho diário deve ser constante. Se um filhote não ganhar peso por dois dias seguidos ou estiver perdendo peso, isso é um Alerta Amarelo e indica que ele não está mamando o suficiente ou tem um problema de saúde subjacente.
Use a Tabela de Viabilidade, registrando o peso, a temperatura e a frequência da mamada de cada filhote. Outros sinais de viabilidade incluem a atividade (eles devem rastejar e miar), a cor das membranas mucosas (devem ser rosadas, não cianóticas) e a ausência de diarreia ou vômito. Seu trabalho é ser um registrador de dados preciso, pois isso permite que o veterinário, se necessário, faça um diagnóstico rápido.
Tabela Comparativa de Suplementos de Aleitamento Neonatal
Para fechar nosso papo, veja só este quadro comparativo. Se a mamãe não der conta, a nutrição artificial precisa ser correta. No balanço nutricional felino, a alta proteína e a gordura são críticas. Comparar as opções é crucial para evitar desnutrição.
| Característica | Fórmula Comercial Específica para Gatinhos (Padrão Ouro) | Leite de Vaca Integral | Leite de Cabra |
| Proteína (Base Seca) | 30 – 40% | 26% | 29% |
| Gordura (Base Seca) | 35 – 50% | 31% | 34% |
| Lactose | Baixa | Alta (Difícil Digestão) | Menos Lactose (Melhor que o de Vaca) |
| Balanço Nutricional | Equilibrado e Completo para Felinos | Deficiente em calorias, proteínas e gorduras | Aceitável para emergência, mas ainda desequilibrado |
| Imunoglobulinas | Nenhuma | Nenhuma | Nenhuma |
| Recomendação | Escolha Primária e Segura | Não Recomendado (Risco de Diarreia) | Somente como Alternativa Temporária |
Como você pode ver, a arte de “ajudar” no parto da gata é, na verdade, a arte de preparar, observar e saber o momento exato de delegar a intervenção profissional. Você não é o cirurgião, mas é o gerente de crise. Se você dominou esses conceitos e souber identificar o Alerta Vermelho e a Hiponatremia, você já se formou com louvor em Obstetrícia Felina Básica.
Lembre-se: mantenha a calma, confie no instinto da gata e use sua checklist. E qualquer dúvida, não hesite em me ligar. Estamos juntos nessa jornada!
Gostaria de se aprofundar em algum dos Alertas Vermelhos, como a eclampsia, para entender melhor o tratamento de emergência?




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