Sinais de dor em cães: Como saber se seu amigo está sofrendo
💔 O Sofrimento Silencioso: Guia para Identificar os Sinais de Dor em Cães
E aí, turma da Clínica Médica e Comportamento! Vamos falar sobre um dos aspectos mais desafiadores e, francamente, mais importantes da nossa profissão: a identificação da dor em cães. Eu costumo dizer que o cão é um mestre em esconder o sofrimento. Por instinto de sobrevivência (para não mostrar fraqueza a predadores), ele minimiza e mascara os sinais de dor. Isso significa que, quando a dor se torna visível para o tutor, ela geralmente já está em um estágio moderado a grave.
Seu papel é ser o advogado da analgesia e o treinador de observação do tutor. Você precisa ensinar o tutor a ler a linguagem corporal e as mudanças sutis de comportamento que o cão apresenta. A dor não é apenas o choro ou o gemido; ela é a recusa em subir no sofá, a agressividade repentina ao ser tocado, ou a insônia noturna. Nossa missão é reconhecer esses sinais para que possamos intervir rapidamente, restaurando a qualidade de vida do paciente.
Nossa conversa será um guia prático e humanizado, desvendando os sinais de dor que se manifestam na postura, no comportamento e na fisiologia do cão. A dor é uma experiência subjetiva, mas suas manifestações são objetivas e você tem o dever de detectá-las.
🧍 Postura e Movimento: A Linguagem Corporal da Dor
Quando o cão sente dor, ele ajusta inconscientemente o seu corpo e a sua forma de se mover para proteger a área lesionada e minimizar o desconforto. A observação da postura e da marcha é o primeiro passo do seu diagnóstico.
🚶♀️ Alterações na Marcha: Claudicação e Rigidez
O sinal de dor mais óbvio é a claudicação (o mancar). O cão manco tenta reduzir o tempo de apoio no membro dolorido, o que pode ser sutil ou evidente.
- Claudicação Sutil: Pode se manifestar apenas como uma cabeça que balança ao caminhar (o cão levanta a cabeça quando o membro dolorido toca o chão, para descarregar o peso) ou uma passada mais curta do lado afetado. Muitas vezes, só é perceptível após o exercício ou quando o cão está cansado.
- Rigidez: Um cão com osteoartrite (artrose), que é uma dor crônica articular, demonstra rigidez, especialmente ao se levantar após o descanso prolongado ou pela manhã (a chamada rigidez matinal). Ele hesita em se mover ou se levanta lentamente.
- Dificuldade em Atividades: O cão demonstra relutância em fazer atividades que antes eram fáceis: subir e descer escadas, entrar no carro, ou saltar no sofá.
Você deve instruir o tutor a filmar o cão caminhando e se levantando em casa, em seu ambiente natural. Isso elimina o estresse do consultório e oferece uma imagem mais real da claudicação.
🧘♂️ Postura de Proteção e Tensão Muscular
A dor abdominal ou nas costas é frequentemente manifestada por meio de posturas corporais específicas que visam aliviar a pressão na área afetada.
- Postura de Reza (Praying Position): O cão com dor abdominal ou pancreatite (inflamação do pâncreas) pode assumir a postura de reza (patas dianteiras no chão e traseiras levantadas). Essa postura alonga o abdômen e tenta aliviar a pressão visceral.
- Postura Arqueada (Cifose): A dor na coluna vertebral (dor dorsal ou lombar) é frequentemente indicada por uma postura arqueada, com o dorso curvado. O cão mantém o corpo tenso e evita esticar ou torcer o tronco.
- Tensão Muscular: A dor crônica leva à tensão constante da musculatura adjacente à área lesionada, o que pode ser sentido como um enrijecimento e espasmo muscular à palpação. Você precisa palpar o cão de forma suave, mas completa, avaliando a reação em cada articulação e no dorso.
A persistência de uma postura anormal deve ser sempre interpretada como um sinal de dor significativa.
🧠 Comportamento e Interação: A Dor que Modifica a Personalidade
A dor é um fator de estresse profundo que altera a personalidade e a interação social do cão. Muitas mudanças de comportamento que o tutor atribui à “velhice” são, na verdade, causadas pela dor crônica.
😴 Alterações no Repouso e no Sono
Um cão com dor tem dificuldade em encontrar uma posição confortável e manter o sono contínuo.
- Inquietação Noturna e Insônia: O cão caminha pela casa à noite, não consegue se deitar confortavelmente ou muda de posição constantemente enquanto tenta dormir. A dor articular crônica (artrose) é frequentemente pior à noite e de manhã.
- Isolamento: Cães que sentem dor podem se isolar e buscar locais quietos e escondidos, evitando a interação com a família ou com outros animais. O isolamento é uma forma instintiva de proteção.
- Perda de Interesse: O cão perde o interesse por atividades que antes amava, como brincar com brinquedos, ir passear ou interagir com o tutor.
A redução súbita na atividade física ou social não é apenas “ficar velho”. É um sinal de que a qualidade de vida está sendo comprometida pela dor.
😡 Agressividade e Mudança de Temperamento
A dor, especialmente a dor aguda ou crônica intensa, pode levar a uma mudança abrupta no temperamento do cão.
- Agressividade por Toque: Um cão dócil pode reagir com agressividade, rosnados ou mordidas quando o tutor tenta tocar ou acariciar a área dolorida. Ele está comunicando que está com dor e que precisa de espaço.
- Lambedura Excessiva: O cão pode lamber ou morder excessivamente um local específico (pata, quadril, dorso) na tentativa de aliviar a dor. Isso pode levar à formação de granulomas de lambedura (feridas crônicas e espessadas).
- Vocalização (Gemo ou Choro): A vocalização é o sinal mais óbvio, mas pode ser menos comum do que se pensa. O cão pode gemer ao se levantar, ao ser levantado, ou em momentos de dor aguda.
É crucial que o tutor entenda que a agressividade induzida pela dor não é um problema comportamental primário. É um sinal de alarme.
📈 Sinais Fisiológicos e Autonômicos: O Corpo Reagindo ao Estresse
A dor é um estressor que ativa o sistema nervoso autônomo, manifestando-se em sinais fisiológicos que você pode observar e medir.
💨 Respiração, Frequência Cardíaca e Apetite
A dor aguda eleva o estado de alerta do organismo.
- Aumento da Frequência Respiratória: O cão pode apresentar respiração ofegante (panting) ou uma frequência respiratória elevada em repouso, mesmo sem exercício ou calor. A dor crônica também pode aumentar a taxa respiratória basal.
- Alterações no Apetite: A dor, especialmente a dor abdominal ou a dor dentária, é frequentemente associada à diminuição do apetite (anorexia) ou à dificuldade em mastigar (no caso de dor dentária).
- Foco em Lesões: Um cão com dor dentária ou gengival pode mastigar apenas de um lado da boca, deixar cair a comida ou babar excessivamente.
O seu exame físico deve incluir a avaliação da Frequência Cardíaca (FC) e da Frequência Respiratória (FR). A taquicardia (FC alta) pode ser um reflexo da dor aguda.
💧 Sinais Visíveis e Físicos
- Tremores Musculares: A dor pode levar a tremores localizados na área lesionada ou tremores generalizados, causados pela tensão muscular ou ansiedade.
- Alteração na Expressão Facial (Dor Facial Scale): A dor aguda pode mudar a expressão facial do cão: olhos semicerrados, orelhas para trás ou em uma posição tensa, focinho franzido e tensão ao redor da boca.
- Pupilas Dilatadas (Midríase): Em momentos de dor intensa, a ativação simpática pode levar à dilatação das pupilas.
A perda de peso e a atrofia muscular em um membro são sinais de dor crônica, indicando que o cão está usando menos o membro dolorido.
📊 Quadro Comparativo: Diferenciando Dor Aguda e Crônica
É crucial que o tutor aprenda a diferenciar a dor que exige intervenção imediata (aguda) da dor que exige manejo e acompanhamento (crônica).
| Característica | Dor Aguda (Trauma, Pós-Cirúrgico, Fratura) | Dor Crônica (Artrose, Câncer, Doença Periodontal) |
| Duração | Súbita, de curta duração (dias a poucas semanas). | Persistente, de longa duração (meses a anos). |
| Intensidade | Alta, muitas vezes incapacitante. | Variável (leve a moderada), mas constante e progressiva. |
| Sinais de Comportamento | Vocalização (Gemo/Choro), Reação Aguda à Palpação, Agressividade de Defesa. | Isolamento, Perda de Interesse, Dificuldade em se levantar (Rigidez Matinal), Insônia Noturna. |
| Sinais Fisiológicos | Taquicardia, Taquipneia (respiração rápida), Aumento da Pressão Arterial. | Atrofia Muscular, Perda de Peso, Comprometimento Cognitivo (DCC). |
| Meta do Tratamento | Eliminação da Dor com analgésicos potentes. | Gerenciamento da Dor (redução e manutenção) e Melhora da Qualidade de Vida. |
| O que o Tutor Vê | O cão de repente não apoia a pata ou chora ao ser tocado. | O cão “simplesmente está mais velho” ou “mais quieto”. |
Seu compromisso é com o alívio imediato e o manejo contínuo. Use a sua observação para ser a voz do paciente que sofre em silêncio. A dor não tratada é uma emergência moral e médica.
Para mais informações sobre a avaliação objetiva da dor em cães, você pode consultar o material: Escalas de Avaliação da Dor em Cães. O uso de escalas de dor (como a Escala de Dor de Glasgow ou a Escala de Dor de Colorado) é uma ferramenta essencial para quantificar o sofrimento e guiar a sua terapia analgésica.




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