Cão mancando: O que pode ser?
🦴 Cão Mancando: O Guia do Tutor para a Claudicação – Diagnóstico Diferencial da Dor e o Protocolo de Emergência
Prezado aluno, se há um sintoma que nos une em preocupação, é o mancar do nosso paciente. Tecnicamente, chamamos isso de Claudicação. Para o cão, o mancar não é um capricho; é uma estratégia de sobrevivência: ele está tentando tirar o peso de um membro porque dói. Como ortopedista veterinário, eu insisto: o mancar é dor, e dor precisa de diagnóstico e tratamento rápidos. Nunca ignore a claudicação sob o pretexto de “ele deve ter torcido” ou “é coisa da idade”.
A sua capacidade de observar a forma do mancar e de agir nas primeiras horas é o que pode definir se o seu cão terá uma recuperação completa de uma lesão de ligamento ou se desenvolverá uma artrose crônica e limitante. Hoje, vou te dar a mentalidade de um clínico ortopédico, ensinando a diferenciar o trauma simples da emergência.
I. Introdução: O Grito da Dor no Sistema Musculoesquelético
O mancar é uma manifestação de que a unidade motora do cão (osso, articulação, ligamento, músculo ou nervo) falhou.
A Claudicação: Definição e o ato de transferir o peso.
A Claudicação é a dificuldade ou a incapacidade de usar um ou mais membros de forma normal. É um sinal clínico visível de dor ou fraqueza. Quando um cão manca, ele está, conscientemente, transferindo o peso corporal para os membros sadios para aliviar a pressão na área lesionada.
O grau da claudicação varia: pode ser um mancar leve e intermitente (só depois de acordar ou de um exercício) ou um mancar grave, onde o cão não apoia a pata no chão de forma alguma (mancar de sustentação, que sugere fratura, luxação ou dor intensa). A intensidade do mancar é um reflexo direto da intensidade da dor.
O erro do “Repouso Forçado” versus o “Repouso Controlado”.
Seu primeiro instinto, após ver o cão mancar, é mandá-lo para a cama. Isso está correto, mas precisa ser controlado. O Repouso Imediato é a primeira medida para evitar que uma lesão leve se agrave (ex: um ligamento parcialmente rompido se rompa totalmente).
No entanto, o erro é manter o cão em um repouso total prolongado sem diagnóstico. A imobilização excessiva (principalmente em casos de artrose) pode levar à atrofia muscular e à rigidez articular, tornando o problema ainda pior a longo prazo. O repouso deve ser um período de emergência inicial (24-48h) até que o diagnóstico e o tratamento adequado sejam iniciados.
A velocidade da intervenção: Por que o mancar progressivo é mais urgente.
A velocidade com que o mancar se desenvolve e piora é um indicador de urgência.
- Mancar Agudo: Começa de repente (após um pulo, uma queda). Sugere trauma, fratura ou ruptura de ligamento. Urgência alta.
- Mancar Intermitente/Estacionário: Vai e volta, melhora com o repouso. Sugere inflamação crônica (artrose) ou lesão muscular leve. Urgência média.
- Mancar Progressivo Crônico: Começa leve e piora gradualmente ao longo de semanas/meses. Sugere displasia, artrose ou, o mais temido, tumor ósseo (Osteossarcoma). Urgência alta para diagnóstico.
O mancar que piora ao longo de dias ou semanas exige nossa intervenção imediata para descartar doenças progressivas e fatais.
II. As 5 Causas Comuns da Claudicação Aguda
Estas são as cinco razões mais frequentes que fazem o cão chegar mancando ao consultório, desde a mais simples até a mais grave.
1. Lesão de Tecido Mole (Entorse/Distensão): A dor após o esforço físico súbito.
Ocorre quando o cão se esforça demais, faz um movimento brusco ou desliza. A lesão de Tecido Mole envolve os músculos, tendões e ligamentos, mas não o osso. A Distensão Muscular (o popular “estiramento”) ou a Entorse (lesão dos ligamentos de uma articulação) é a causa mais comum de claudicação leve.
A dor é aguda, mas costuma melhorar significativamente com o repouso e o uso de compressas frias nas primeiras 24 horas. O cão apoia a pata no chão, mas manca. O perigo é o tutor deixar o cão voltar a correr antes da cicatrização completa, o que leva à recidiva da lesão.
2. Problemas na Pata e Almofadas: Corpo estranho, corte, unha quebrada ou queimadura.
A causa mais simples e frequentemente ignorada é a lesão na própria pata. O cão pode estar mancando porque tem:
- Um corpo estranho (espinho, caco de vidro, semente) preso entre as almofadas.
- Uma unha quebrada ou lacerada na carne viva (extremamente doloroso).
- Uma queimadura nas almofadas (asfalto quente no verão ou gelo no inverno).
Nesses casos, a claudicação é geralmente aguda, mas o cão permite que você inspecione e, muitas vezes, o problema é visível e resolvível em casa (remoção de um espinho) ou com um curativo simples. Sempre inspecione a pata como seu primeiro ato.
3. Ruptura do Ligamento Cruzado Cranial (LCC): A lesão de joelho mais comum e a instabilidade articular.
O Ligamento Cruzado Cranial (LCC), que fica no joelho (equivalente ao ligamento cruzado anterior humano), é a estrutura ortopédica que mais se rompe em cães. A ruptura pode ser aguda (trauma) ou, mais comum, degenerativa (desgaste lento até a ruptura total).
A ruptura do LCC causa instabilidade grave no joelho, e o cão frequentemente manca sem apoiar a pata no chão no momento da lesão. Se não for tratada cirurgicamente (com procedimentos como TPLO ou TTA), a articulação se degenera rapidamente e desenvolve artrose em poucos meses. O diagnóstico é clínico (pelo teste da gaveta feito pelo veterinário) e a cirurgia é a única solução definitiva.
4. Fraturas e Luxações Agudas: Mancar sem apoio e a deformidade óbvia (Emergência).
Estes são os casos de emergência máxima. Uma Fratura (osso quebrado) ou uma Luxação (deslocamento da articulação, como na pata) causam dor excruciante e a incapacidade total de apoiar o membro.
Se você notar uma deformidade visível, um inchaço rápido, e o cão não consegue colocar peso algum, você deve agir rapidamente: imobilize o membro suavemente (sem tentar “colocar no lugar”) e corra para o hospital. A fratura ou luxação exige Raio-X imediato e redução sob anestesia ou cirurgia.
5. Artrite/Artrose Descompensada: A dor da articulação degenerada que se torna intensa.
A Artrose (Osteoartrite) é a doença articular degenerativa crônica mais comum em cães idosos. É o desgaste progressivo da cartilagem que amortece as articulações. O mancar da artrose é tipicamente intermitente, piora no frio e após o repouso (o cão mancava ao levantar, mas melhora depois de caminhar).
A claudicação se torna aguda e grave quando a artrose entra em uma fase de inflamação intensa (descompensação). Isso pode ocorrer por um movimento errado ou por um período de atividade exagerada. O manejo da artrose é crônico, focado em controle de peso, suplementação condroprotetora e anti-inflamatórios veterinários.
III. Sinais de Alerta: Quando o Mancar é Mais que Dor Articular
Alguns padrões de claudicação são sinais de que a causa é mais profunda do que um simples trauma.
O Mancar do Cão Jovem de Raça Grande: Displasia Coxofemoral e a dor crônica progressiva.
A Displasia Coxofemoral (anca) e a Displasia de Cotovelo são falhas no desenvolvimento articular, principalmente em raças grandes e gigantes (Pastor Alemão, Golden Retriever, Labrador). O mancar começa cedo, muitas vezes entre 5 a 12 meses de idade.
O cão anda com um “rebolado” na traseira, reluta em subir escadas ou evita pular. A claudicação é progressiva e bilateral, indicando que a cabeça do fêmur não se encaixa corretamente no acetábulo (anca), causando dor e desgaste precoce (artrose secundária). O diagnóstico é feito por Raio-X sob sedação e o manejo pode ser clínico (controle de dor) ou cirúrgico.
A Dor Noturna Inexplicável: O alerta silencioso para o Osteossarcoma (Tumor Ósseo).
Este é o sinal de alerta oncológico mais importante na ortopedia. O Osteossarcoma é o câncer ósseo mais comum e agressivo em cães de meia-idade e idosos, especialmente em raças grandes. O tumor destrói o tecido ósseo, causando dor.
O mancar é tipicamente progressivo e, o mais característico, a dor é pior à noite ou durante o repouso, e não melhora com analgésicos comuns. O tumor causa uma dor profunda e excruciante. Se seu cão manca progressivamente e o osso do membro (geralmente próximo ao ombro ou joelho) parece inchado e quente, você tem uma urgência oncológica que exige Raio-X imediato.
Alterações Neurológicas e da Coluna: Mancar com arrastar da pata ou fraqueza súbita.
Nem todo mancar é ortopédico. Se a claudicação for acompanhada de fraqueza súbita, arrastar da pata (knuckling) ou paralisia parcial, o problema é neurológico e não muscular ou ósseo.
Isso pode ser causado por uma Hérnia de Disco na coluna (principalmente em Dachshunds), compressão nervosa ou, em casos mais graves, um AVC ou lesão na medula. O arrastar da pata é um sinal de que o cão perdeu a propriocepção (a consciência da posição do membro no espaço). O tratamento exige diagnóstico por ressonância magnética (RM) e pode ser clínico ou neurocirúrgico.
IV. O Protocolo de Ação Imediata (As Primeiras 24 Horas)
A sua intervenção inicial é crucial para proteger o cão de mais danos.
Repouso Absoluto e Confinamento: A regra da guia curta e do espaço pequeno.
A primeira e mais importante ação é o Repouso Absoluto. Isole o cão imediatamente em um espaço pequeno (caixa de transporte, cercado ou canil pequeno). O objetivo é eliminar pulos, corridas e escadas.
Para fazer as necessidades, o cão deve ser levado para fora apenas com guia curta, caminhando o mínimo necessário. Esse confinamento protege o membro lesionado e evita que uma simples entorse se torne uma ruptura de ligamento.
Controle de Inchaço e Calor: Uso de compressas frias e o veto total a medicamentos humanos.
Se o mancar começou há menos de 48 horas e você nota inchaço e calor no membro, aplique compressas frias (gelo envolto em toalha) por 10 a 15 minutos, 3 a 4 vezes ao dia. O frio é um vasoconstritor, que ajuda a controlar a inflamação e a reduzir a dor.
Atenção: NUNCA administre medicamentos humanos como Ibuprofeno, Paracetamol ou AAS (Aspirina). Eles são tóxicos para cães, causam úlceras gástricas e podem causar falha renal grave. Não medique o cão por conta própria; use apenas analgésicos prescritos pelo veterinário.
O Exame Ortopédico do Tutor: Palpação suave e busca por calor, inchaço e reação de dor.
Seja um examinador gentil. Com o cão calmo, inspecione o membro lesionado:
- Pata/Almofadas: Procure cortes, espinhos ou unhas quebradas.
- Palpação: Comece na ponta da pata e suba, tocando suavemente os ossos e as articulações.
- Reação de Dor: Observe onde o cão reage. Se ele chorar ao tocar uma área específica, você encontrou a localização da dor (o ombro, o cotovelo, o joelho).
- Comparação: Compare o membro lesionado com o membro oposto, buscando assimetria, inchaço ou calor.
Essa informação é ouro para o veterinário, mas não force o movimento do membro.
V. O Diagnóstico por Imagem e o Estadiamento da Lesão
Quando a suspeita é ortopédica, nossa principal ferramenta de diagnóstico é a imagem. Não podemos tratar o que não vemos.
A Radiografia (Raio-X): A avaliação do osso e do espaço articular (Fratura, Artrose, Displasia).
A Radiografia é o padrão-ouro para avaliar o osso e a estrutura articular. Ela é essencial para:
- Fraturas: Visualizar a linha de quebra do osso.
- Artrose: Ver o desgaste do espaço articular, a formação de osteófitos (bicos de papagaio) e a densidade óssea.
- Displasia: Avaliar o encaixe da cabeça do fêmur no quadril ou a má formação do cotovelo.
- Tumores Ósseos: Mostrar a lise (destruição) do osso causada pelo tumor.
A radiografia nos dá um mapa completo do esqueleto e é o primeiro passo para o diagnóstico correto da claudicação.
A Importância da Sedação: Por que a dor exige tranquilização para um exame de imagem preciso.
Em casos de dor intensa (fratura, luxação, dor articular aguda), o cão não permitirá que o veterinário posicione o membro para o Raio-X corretamente. Além disso, a dor impede o relaxamento muscular.
A sedação leve (tranquilização) é frequentemente necessária para:
- Obter imagens de qualidade diagnóstica: O posicionamento do Raio-X precisa ser perfeito para medir ângulos de displasia ou ver fraturas sutis.
- Realizar testes de estresse: Como o teste da gaveta (para LCC) ou testes de luxação, que são dolorosos, mas vitais para o diagnóstico.
Não hesite em sedar o cão; é um ato de compaixão que garante a precisão do diagnóstico e evita dor desnecessária.
Tomografia Computadorizada (TC) e Ressonância Magnética (RM): Visualização de tecidos moles (tendões, cartilagens) e tumores em 3D.
Em casos de claudicação complexa, recorremos a exames de imagem avançados. A Tomografia Computadorizada (TC) é excelente para ver o osso em três dimensões, sendo indispensável no planejamento de cirurgias complexas (como as de coluna) e para o estadiamento de tumores ósseos.
A Ressonância Magnética (RM) é a melhor ferramenta para visualizar tecidos moles (ligamentos, tendões, cartilagens, medula espinhal). A RM é o padrão-ouro para o diagnóstico de ruptura parcial de LCC, lesões de menisco ou compressão da medula por hérnia de disco.
VI. O Manejo da Dor e a Reabilitação
O tratamento da claudicação raramente termina no diagnóstico; ele se estende ao manejo da dor e à recuperação funcional.
Analgesia Multimodal: A combinação de AINEs veterinários e opioides para a dor aguda.
O controle da dor é nossa prioridade. Usamos a Analgesia Multimodal, que combina medicamentos com diferentes mecanismos de ação para um controle mais eficaz.
- AINEs Veterinários: Anti-inflamatórios Não Esteroides específicos para cães (Carprofeno, Meloxicam) são a base do tratamento anti-inflamatório.
- Opioides: Para dor aguda e intensa (Tramadol, Morfina, Buprenorfina) são usados por um curto período.
- Gabapentina: Usada para dor neuropática (dor que vem dos nervos), comum em hérnias de disco e compressões.
A combinação desses medicamentos é prescrita na dose correta para a espécie canina, garantindo o conforto sem toxicidade.
Fisioterapia e Hidroterapia: Recuperação de ligamentos e articulações (Movimento Controlado).
Após a fase aguda ou cirúrgica, a Fisioterapia Veterinária é crucial para a recuperação funcional. Ela evita a atrofia muscular e a rigidez articular.
Técnicas como Massagem, Cinesioterapia (exercícios de movimento controlado) e Laserterapia ajudam a restaurar a força e a amplitude de movimento. A Hidroterapia (caminhar na esteira subaquática) é excelente, pois a água suporta o peso do cão, permitindo o exercício sem forçar a articulação lesionada, acelerando o retorno à função normal.
Suplementação Condroprotetora: O papel de Glicosamina e Condroitina no manejo da Artrose Crônica.
No manejo da artrose crônica e displasia, a suplementação condroprotetora é vital. A Glicosamina e a Condroitina são componentes da cartilagem que ajudam a inibir a degradação da cartilagem e a estimular a produção de fluido sinovial (o lubrificante da articulação).
Embora não curem a artrose, esses suplementos, usados em conjunto com o controle de peso e AINEs, melhoram significativamente a qualidade de vida do cão, reduzindo a dor e a inflamação crônica associada ao desgaste articular.
VII. Conclusão: Não Adie o Diagnóstico
Seu cão não pode te dizer “Doutor, é o meu ligamento cruzado”. Ele só pode mancar. E você precisa honrar esse sinal de dor com ação imediata.
O mancar é dor: Trate com urgência e responsabilidade.
O seu cão está mancando porque dói. Assuma a responsabilidade de proibir a automedicação humana, garantir o repouso absoluto inicial e buscar o diagnóstico por imagem. Não trate a claudicação com “tempo”; o tempo pode permitir que uma lesão de tecido mole se torne crônica, ou que um tumor ósseo avance para metástase.
A diferença entre um bom prognóstico e um dano crônico.
O sucesso da ortopedia veterinária reside na rapidez do diagnóstico e na intervenção correta. Uma ruptura de LCC pega a tempo resulta em um cão totalmente funcional após a cirurgia e fisioterapia. Uma ruptura ignorada resulta em uma artrose limitante em poucos meses. O seu compromisso com a urgência do diagnóstico é o fator que garante o melhor prognóstico funcional para o seu companheiro.
Quadro Comparativo: Tratamento Ortopédico e Manejo da Dor
Aqui está um quadro que compara as três principais categorias de intervenção ortopédica, desde o manejo inicial até a reabilitação.
| Intervenção | Objetivo Primário | Vantagens | Desvantagens/Riscos |
| AINEs Veterinários | Controle da Dor e Inflamação (Aguda/Crônica) | Redução rápida da inflamação. Melhora a qualidade de vida. | Risco de toxicidade gastrointestinal e renal se mal administrado ou usado com medicamentos humanos. |
| Fisioterapia/Hidroterapia | Recuperação Funcional (Pós-Cirurgia/Artrose) | Fortalece a musculatura sem impactar a articulação; melhora a amplitude de movimento. | Exige comprometimento de tempo e disciplina do tutor. Custo. |
| Suplementação Condroprotetora | Manejo Crônico da Artrose | Suporte à cartilagem e produção de líquido sinovial (prevenção do desgaste). | Efeito lento; não substitui o tratamento da causa-raiz (cirurgia de LCC/Displasia). |
Gostaria que eu fizesse uma pesquisa sobre o prognóstico e os protocolos de tratamento para o Osteossarcoma (tumor ósseo), já que essa é a causa mais grave de claudicação progressiva?




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